A ciência dos antigos

Nesta eleição, as igrejas evangélicas neopentecostais tem tido um papel bastante relevante nas eleições com apoio a candidatos, e líderes dessas igrejas direcionando os seus fiéis a votarem nos candidatos indicados por eles. É muito importante ressaltar que fiéis dessas igrejas são uma parcela bastante relevante do eleitorado brasileiro. É um eleitorado fiel e leal aos conceitos ministrados por seus líderes, o que se torna um objeto de cobiça pelos candidatos em disputa. Também é importante ressaltar que muitas dessas igrejas compartilham de conceitos conservadores baseados em pautas de costumes, sendo estes bastante restritivos em questões comportamentais, tais como vestimenta, orientação sexual, comportamento, disciplina, preferências para consumo, negócios, emprego, sendo assim os seus líderes como importantes imperativos e dotados de grande poder de influência.

A questão que quero levantar aqui é como que esse poder de influência se formou, mas não pela situação atual, mas por conta de uma raiz histórica. É necessário entender porque que muitas pessoas que seguem cegamente esses conceitos religiosos possuem um comportamento bastante influenciável em relação a seus líderes, mesmo que esses líderes tenham falhas de conduta severas, e pode são usar o seu poder de influência para desvirtuar conceitos e influenciar pessoas a fazerem coisas que não têm relação nenhuma com a religião, como por exemplo votar em um candidato contestável.

A gente precisa entender que nos tempos antigos questões fundamentais da existência humana também existiam e também o ser humano não tinha meios de produzir e validar o seu conhecimento. Tudo o que sabiam era um passados por seus antepassados, que simplesmente acreditavam que aquele fato que repassavam aos seus descendentes era uma verdade. Muitos dos conceitos encontrados no antigo testamento da Bíblia tinham relação direta com o conceitos apreendidos de geração para geração em que houve de fato muito conteúdo empírico, mas repassado a seus descendentes na forma de um conceito que tinha um caráter de lei, de ordem, e que não era justificado. Os dez mandamentos, que é considerado dentro do cristianismo a lei máxima da religião cristã apenas tem 10 conceitos de ordem, sem nenhum texto adicional justificando essas ordens. Isso era necessário para que essas informações pudessem ser disseminadas rapidamente e assimiladas rapidamente pelas pessoas, porque não havia de certa forma um sistema de comunicação de massa que pudesse replicar essa informação de forma rápida, então tinha que se passar informações simples que pudessem ser transmitidas de boca a boca entre as pessoas que compartilham de uma mesma crença.

Quando a igreja católica se organizou na idade média o conceito ficou sistematizado, porém com o isolamento provocado pela peste negra e o regime feudal, parte dos conceitos se deturparam, colocando a figura do padre como autoridade máxima da religião onde havia muitos párocos que não compartilhavam plenamente de todos os conceitos bíblicos e também não tinham a preparação necessária para isso, inclusive com muitos padres analfabetos. A reforma de Lutero forçou a igreja católica se reformar tendo que impor uma norma mais rígida de formação de párocos, e a imposição de normas que tornassem a igreja católica com uma estrutura mais rígida.

Quando chegou a idade moderna, o conhecimento começou a se dissociar de conceitos religiosos. Primeiro pelos processos de experimentação de diversos pensadores, alguns deles punidos pela igreja. Mas partiu de um pensador oriundo da própria igreja a consolidação do conhecimento independente de dogmas religiosos. Foi com René descartes, com o seu pensamento cartesiano, que se introduziu conceitos que passaram a ser considerados como método científico, e assim permitiu-se com que um conhecimento pudesse ser descoberto e validado.

A revolução francesa provocou uma mudança muito forte na questão do poder. Era um dos últimos pontos que separava estado de igreja. A igreja exercia um grande poder político, a sucessão monárquica, já que grande maioria dos países europeus eram monarquias precisavam ter algum tipo de validação ou aval da igreja por meio do Papa. Quando veio a revolução francesa esse poder da igreja diminuiu, e o poder do capital cresceu, com a ascensão da burguesia.

A burguesia entendeu que era preciso investir em conhecimento para que este se tornasse mais poderoso. Os mecenas financiaram grandes projetos, que vieram desde da navegação, até a produção industrial, e a descoberta de novas fontes de energia como a eletricidade. Isto fez com que cada vez mais o conhecimento se tornasse cada vez mais independente do modelo religioso.

Assim se tem uma classe cada vez mais intelectualizada e com o domínio da técnica, encontra. A uma grande quantidade de pessoas que não tinham o domínio da técnica apenas faziam atividades que eram vistas como indispensáveis à produção, mas que não tinham acesso ao domínio da técnica, ao domínio da produção, ao domínio da tecnologia.

Chegamos a modernidade. Hoje a tecnologia está cada vez mais acessível graças ao avanço tecnológico e das tecnologias de comunicação e informação, fazendo com que o acesso ao conhecimento se tornasse mais facilitado. Para um pequeno grupo de burgueses, isto seria uma ameaça pois tornaria a economia mais competitiva, com mais pessoas participando do processo econômico e com a possibilidade de maior justiça social. Mas não podemos deixar de esquecer que nos séculos XVII e XVIII, o escravismo foi um grande elemento motriz do capital. E no início do século 20, as condições de trabalho nas indústrias e carvoarias eram condições análogas à escravidão, com jornada de trabalho de até 16 horas diárias inclusive com o emprego de trabalho infantil. Sempre buscou-se para garantir o aumento de suas margens de lucro o barateamento dos custos de produção, sobretudo a mão de obra.

Qual a relação hoje entre capitalismo e o fanatismo? Entende-se de que muitos grupos burgueses apoiam modelos de fanatismo religioso porque esses modelos vão fazer com que as pessoas abdiquem de seus poderes de produzir e validar conhecimento. Seria o fanatismo hoje uma espécie de placebo, fazendo com que a pessoa acredite que esteja recebendo “ciência”, quando na verdade não está. Isto não vale a pena para a religião. Muita parte da propagação de notícias mentirosas e desinformação partem de princípios do senso comum, preconceitos mantidos e não contestados pois a educação para a população que não é de uma elite intelectual, é uma educação meramente instrumental para habilitar essas pessoas a desempenhar suas tarefas laborais de baixo nível.

Historicamente, a religião era a ciência dos antigos. Quando Descartes introduziu o método científico, houve um descolamento entre o que é dogma, e o que é conhecimento, pois o primeiro é validado pela crença e o segundo pela experimentação e prova. Pessoas sem o acesso ao conhecimento precisam se ver intelectualmente respeitadas, e por isso se agarram a crenças e dogmas, por considerar que é uma “ciência”. O conhecimento foi intelectualizado e abduzido pelo capital, colocando apenas uma pequena classe de pessoas, o acesso pleno ao conhecimento e ao método de criação e validação de conhecimento, coisa que a maioria das pessoas lhes é negado o acesso. O “conhecimento formal” que recebem é apenas para instrumentalizar essas pessoas a realizar as tarefas laborais cabíveis a elas. Abrir o conhecimento amplo às pessoas significa dar a elas a autonomia e a independência, pois se esse conhecimento é limitado, essa pessoa não saberá que há alternativas e poderes, se tornando presa fácil para qualquer tipo de ludibriação.

O objetivo desse artigo não é invalidar a religião. O objetivo desse artigo é evitar que a religião seja deturpada por lideranças que não tenham compromisso em manter a integralidade da religião, corrompendo-a para satisfazer a interesses particulares ou de seus grupos de interesse. A religião foi a ciência dos antigos, e esse papel histórico não pode ser negado. Mas hoje nós temos uma nova ciência, que precisa ser acessível a todos para que possamos professar a nossa fé sem ficar preso a ninguém.

Ocupar e resistir

Estávamos muito com os nervos à flor da pele ontem. E o day after do pleito, com nosso coração mais calmo e nossa cabeça mais oxigenada, agora nos permite oxigenar melhor nossas ideias.

Agora de manhã eu me deparo com o seguinte tuíte do influenciador digital Felipe Neto:

Analisando por este aspecto o ponto de vista é plausível, visto que a extrema direita estava turbinada com doações de empresários e verbas do orçamento secreto.

Algumas coisas a gente precisa tirar dessa eleição. Eu vou enumerar algumas:

  • Precisamos voltar para a base: boa parte da população que antes corria com a gente, hoje se sente desprestigiada e desassistida. A questão é identitária é muito relevante, mas o que a gente entende é que as pessoas que antes atuavam com mais presença nos sindicatos, igrejas, associações de bairro e movimentos sociais urbanos e rurais se “burocratizaram”. Colocaram tudo nas mãos do poder público, como se a tomada do poder político fosse uma solução para os problemas do país. A solução só acontece nas urnas e, principalmente, nas ruas. A disputa de espaços entre a esquerda e direita é real e a gente denunciava isso desde o aliciamento de fiéis para as eleições de conselhos tutelares, e representantes chapa-branca em cargos diretivos de caixas de assistência e previdência de estatais, sindicatos e associações de bairro, há muitos anos. Assim, pessoas sem identidade com as massas estão emergindo, com o espaço deixado e abandonado por lideranças, antes aguerridas.
  • Precisamos de colocar o coletivo acima de vaidades: a eleição para senador no Río de janeiro desta eleição mostrou que uma vaidade de um grupo de um partido provocou uma grande derrota. O PT do Rio de janeiro, em vez de apoiar a candidatura de Alessandro Molon do PSB, resolveu lançar candidatura própria, mesmo com as recomendações de boa parte da esquerda em não fazê-lo. O eleitorado se dividiu, e a direita, unida, votou em massa em Romário, que se reelegeu senador. A soma dos votos de Molon e o candidato do PT seriam suficientes para derrotar o PL na eleição para o senado no RJ. Essa fogueira de vaidades se tornou uma constante na esquerda brasileira, que, mesmo sob ataque da extrema-direita, não soube se unir, e manteve suas disputas internas. A desarticulação foi gritante e foi fundamental para a expressiva votação da extrema-direita e do Centrão nessas eleições.
  • Precisamos de renovação política: eles estão se renovando. Nós, não. Ainda temos muitas lideranças que estão ‘datadas’ e que ainda carregam conceitos que já não deveriam estar mais no discurso da esquerda. Tem muito jovem, muita mulher, que poderia ter mais espaço na liderança política, e que não tem, pois velhos líderes ainda se impõem e não permitem a renovação política. Aí muita gente se desanima e vai para o centro ou para a direita.
  • Precisamos de lideranças próximas das pessoas: isso casa com o primeiro item. O perfil das votações para deputado dizem bem o que estou dizendo. Boulos foi o campeão de votos para Federal, mas a Federação PSOL-Rede só elegeu 6 pessoas em São Paulo. Há uma cláusula de barreira agora no coeficiente eleitoral, impedido a eleição de candidatos com votação pífia. Muitos votos foram jogados fora, pois não conseguiram eleger ninguém. A estratégia eleitoral deveria ser mais pulverizada, com mais candidatos atingindo o índice. A direita fez isso muito bem. Mesmo não sendo campeão de votos, o partido de Eduardo Bolsonaro emplacou muitos candidatos com votação expressiva, e se elegeram.
  • Precisamos de estratégia de campanha parlamentar regionalizada: este item conversa com o anterior. Mesmo que a eleição para deputado estadual e federal seja uma eleição geral, em que uma pessoa em qualquer do estado pode votar em um candidato, uma estratégia regionalizada se torna mais eficiente. Seria transformar em uma espécie de voto “distrital”, onde cada candidato teria uma região para focar sua campanha. Mesmo que não sejam todos os candidatos a fazer isso, a maioria deve atuar dessa forma para não haver “disputas fratricidas” com candidatos de um mesmo partido ou coligação disputando votos em um mesmo local, ou em um mesmo grupo de pessoas.
  • Precisamos ter um compromisso pragmático e ideológico definido: uma das grandes armadilhas de uma democracia representativa como a do Brasil é que os partidos políticos tem que se sujeitar a regras eleitorais de representatividade para sobreviverem. E isso faz com que pessoas que não tem nenhum compromisso programático e ideológico com o partido se junta a legenda e comprometam a credibilidade e a coerência ideológica do partido. Não dá mais para colocar gente conhecida e que se destacou em algum momento para encabeçar uma candidatura. Vimos o exemplo do cabo daciolo no Rio de Janeiro. Ele liderou o movimento paredista de bombeiros, foi convidado a se filiar ao PSOL, mas depois viu-se que ele não tinha nenhum uma identificação ideológica com o partido, e saiu atacando a esquerda. Por outro lado, pessoas que têm um compromisso ideológico importante com a sigla, são desprestigiados porque é muito mais interessante para um partido o seu “potencial eleitoral” do que a sua coerência ideológica com os valores que o partido prega. É necessário que as pessoas que se filiam a um partido político recebam uma formação política, e que pessoas que comprovadamente estão utilizando o partido em causa própria sem nenhum compromisso e identidade ideológica seja excluídos da sigla, por mais potencial eleitoral que essas pessoas tenham. Do contrário, os partidos vão se render ao fisiologismo partidário e se igualar aos partidos de direita.
  • Precisamos valorizar a nossa militância orgânica, aguerrida e apaixonada: levamos Lula para o segundo turno, o PT elegeu três governadores no primeiro turno e levou quatro candidatos ao segundo turno, o PT elegeu 12 deputados a mais do que em 2018 e o sol agora tem 12 deputados, dois a mais que 2018. O PV ganhou dois deputados e agora tem seis, a rede ganhou dois deputados. O PT tem 9 senadores, ganhou dois. São Paulo tem oito deputados estaduais a mais do que a eleição anterior o pessoal ganhou um deputado a mais do que a eleição anterior. Guilherme Boulos foi o segundo deputado federal mais votado do país com um milhão de votos. Tudo isso só foi possível porque nós temos uma militância orgânica, aguerrida, e apaixonada. Por que a direita e a extrema-direita podem pagar por tudo isso: pode pagar impulsionamento nas mídias sociais, tenho o domínio do algoritmo das mídias sociais porque as mídias sociais são capitalistas, podem contratar as melhores cabeças podem corromper qualquer um com dinheiro. Mas a militância de esquerda não tem disso. A maioria dessas pessoas está aqui porque quer um Brasil diferente, melhor e mais justo. Mas a gente percebe que pequenas lideranças que poderiam impulsionar uma boa parte dessa militância não estão sendo devidamente valorizados. O outro lado já construiu os seus currais com lideranças demagogas e utilizando do senso comum com muitos preconceitos e absurdos que estão incrustados na cultura brasileira e que precisam ser mudados.
  • Precisamos ser firmes e claros em nossas posições: encampamos uma grande quantidade de bandeiras, que batem de frente com o conservadorismo que sempre limita as capacidades humanas por meio de doutrinação ideológica. É exatamente isso que eles fazem, doutrinação ideológica ou seja, nós somos acusados do que eles praticam todos os dias e com todas as ferramentas possíveis: mídia eletrônica e digital, igrejas jornais, propaganda. Eles não querem que as pessoas saibam os reais efeitos da cannabis. Eles não querem que as pessoas saibam dos direitos da mulher e da desigualdade de direitos reprodutivos entre a mulher e o homem. Eles não querem que você saiba sobre a diversidade sexual. Eles não querem que você saiba que o capitalismo da forma que está fomenta desigualdades. Eles não querem que você saiba o racismo estrutural e o genocídio preto indígena que ocorre diuturnamente nesse país. Eles não querem que você saiba que em nome do agronegócio estão se destruindo a floresta e oferecendo as pessoas uma alimentação de péssima qualidade com produtos ultraprocessados que fazem mal à saúde. E fugir do assunto, só favorece esses discursos da direita. é preciso enfrentar e defender a liberdade humana e o respeito ao próximo porque tudo isso que nós defendemos bate de frente com a opressão que eles querem impor.
  • Precisamos fazer autocrítica: Esse é o ponto mais pesado que teimamos em não fazer. Todos nós somos mentes pensantes. Mas quando uma mente pensante aponta um problema que precisa ser resolvido, em nome de um corporativismo tolo, essa mente acaba sendo censurada, desprestigiada e marginalizada pelo movimento. Ouvir críticas internas faz parte do jogo democrático e do fortalecimento da ideologia e das ideias. Pois gado é só aqueles que estão do outro lado aceitando todas as mentiras que lhe são contadas.Precisamos ser diversos, mas sem impor conceitos aos outros: esse é outro ponto polêmico mas tem uma explicação para isso. Dentro da esquerda existem diversos tipos de movimentos: temos os marxistas, os leninistas, os trotequistas, os anarquistas, os da internacional socialista e outros tantos movimentos de esquerda inclusive moderados, reformistas e independentes. Dentro daquele conceito de fogueira de vaidades há uma disputa tola entre qual o conceito é o melhor. E essas disputas levam a desentendimentos, fragmentação, e desunião das esquerdas. É possível promover um debate com abertura para diálogo, desde que todas as partes estejam dispostas a conhecer a outra parte e discutir de maneira sábia e ordeira as questões pertinentes. A gente sabe que do outro lado todo mundo é unido em torno do dinheiro. A gente poderia aqui estar todos unidos em torno de uma causa, mas se divergem em relação ao método, e isso faz com que a coisa não ande.
  • Precisamos ser coerentes naquilo que defendemos: se nós defendemos a causa feminista, a causa anti-racista, a causa LGBT, a causa PCD, a causa ambiental, a causa sindical, não podemos permitir que casos de racismo, homofobia, misoginia, capacitismo, e degradação ambiental façam parte dos nossos atos e procedimentos. Todos nós temos, enquanto militantes, a obrigação de conhecer todas as causas que nós defendemos para não agir em dissonância com essas causas. Pois a verdade é que todos nós somos vítimas de um mesmo sistema opressor e cada uma dessas violações de identidade é um tentáculo deste sistema. Ou seja, todos nós temos a obrigação de defender a todos aqueles que sofrem algum tipo de opressão. E não devemos nos render ao corporativismo de tentar esconder essas violações. For preciso cortar na carne para defender essas causas, tem de ser feito. Pois é necessário entender que a postura individual não deve servir de pretexto para uma defesa de um coletivo a essa postura reprovável.

É muito importante refletirmos esse momento. Pois a democracia está em uma situação crítica, pois vivemos uma crise de representatividade. Os representantes estão muito distantes dos representados. E isso provoca a anti-política, é um sentimento de aversão a decisão coletiva que a política nos traz. E isso se torna um terreno fértil para o fascismo, para uma política neoliberal que libere o capital de oprimir as pessoas. As pessoas precisam voltar a ter voz e vez. Figura do político não deve ser uma figura de impor um poder, e sim de trazer anseios das pessoas para um espaço de poder. E esse processo ele deve ser contínuo e continuado que parece uma redundância, mas é um processo que não deve parar por nenhum instante e deve fazer uso de todos os recursos possíveis para ser um agente transformador da sociedade. Nós temos a nós mesmos, e precisamos dar voz a quem não tem voz.

E política se faz com presença. Precisamos ocupar os espaços e resistir a todos os tipos de ataque. Nós sabemos que a direita e a Extrema direita querem deixar a esquerda acuada pois sabe muito bem que a revolução humana está contida nela. Que nossos ideais são construtivos e visam uma harmonia coletiva entre as pessoas. Que não temos medo dos anseios de liberdade e que não devemos nos render a ganância que faz com que cada mês mais pessoas se tornem miseráveis em detrimento de uma pequena elite que tem acesso a praticamente tudo. Lembrei da minha querida amiga Rafaela Boami, a mais jovem candidata a prefeita do país, que liderou o movimento de ocupação das escolas em Diadema movimento este que cresceu e houve ocupações em diversas escolas em São Paulo. Sua palavra de ordem “ocupar e resistir” deve ser um monte de todo militante de esquerda a partir de agora. Temos que disputar cada palmo de chão. Temos que resistir a todo tipo de provocação, intimidação e violência. Pois todos aqueles que tombaram nessa terra, lutaram por ela. E é por aqueles que tombaram, lutando por justiça, ainda lutamos.

2020: o ano em que vidas importam

2020 está para chegar à seu final. Isso certamente com tudo que aconteceu, uma importante lição temos que tirar desse ano que foi muito triste, muito trágico, muito desolador. 2020 foi o ano em que aprendemos sobre a importância da vida. Não apenas a nossa vida, mas a vida dos outros que estão à nossa volta.

Começamos falando sobre os incêndios florestais. Primeiro na Austrália, depois na Amazônia e no Pantanal. A vida selvagem importa. Plantas e animais sucumbiram ao fogo causado direta ou indiretamente pela ação do homem: diretamente pelas queimadas e indiretamente pelo aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa lançados na atmosfera em meio a uma ganância industrial, cada vez mais impiedosa e feroz.

Depois veio a pandemia que paralisou o mundo e fez tombar pela moléstia milhões de pessoas em todo mundo. Dezenas de páginas diárias de obituários na Itália. Dezenas de covas abertas em Nova York, Rio de Janeiro, Manaus e São Paulo. Pessoas morrendo nas calçadas no Equador. Lockdown, distanciamento social, uso de máscaras, colapso no sistema de saúde ruas desertas, economias paralisadas, desemprego em massa, fome e miséria. Desde março, a pandemia nos impôs uma rotina macabra, onde tememos perder silenciosamente nossos entes queridos, pois a maioria das pessoas que sucumbiram tinham comorbidades ou estavam em idade avançada. Vidas frágeis importam.

Eu não consigo respirar. Foram as últimas palavras de George Floyd, um homem preto estadunidense que morreu estrangulado por um policial branco. A rotina da pandemia foi interrompida por uma série de protestos nos Estados Unidos com adesão maciça de grandes personalidades do entretenimento e do esporte, com destaque aos atletas de basquete da NBA. Em novembro, na véspera do dia da consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O debate da questão racial no Brasil ganhou força, pois sabemos que por mais que tentem provar o contrário, o Brasil possui embutido em sua cultura o racismo estrutural. No Rio de Janeiro, uma família inteira foi metralhada por ser confundida com traficantes apenas por serem negros. Uma mulher em São Paulo teve a cabeça presa ao chão com os joelhos de um policial. É corriqueiro um caso ou outro de racismo no Brasil e no Mundo, que inclusive fez com que o jogo de futebol na França fosse paralisado. Vidas negras importam.

Morta a facadas na frente dos filhos na véspera do Natal. A violência doméstica e o feminicídio também estiveram presentes esse ano. Também completou-se mil dias sem a resposta para uma pergunta inquietante: quem mandou matar Marielle Franco e Anderson, e por quê? Nessas eleições mulheres sofreram ofensas e injúrias apenas por serem mulheres e pleitear em um espaço que é legitimamente delas: o espaço onde elas quiserem ocupar. Mulheres assediadas e violentadas sexualmente, sem direito de defesa. Seja empresário, artista, políticos. Não importa a idade, nem menores de idade estão respeitando. Mais do que nunca, vidas femininas importam.

Cada vez mais LGBTs são agredidos. E as mulheres trans são as maiores vítimas. Os casos de transfobia cresceram esse ano e com a pandemia ficou ainda pior. Marginalizadas, e muitas tendo como a prostituição um meio de sobrevivência. Um grito de basta foi a eleição da mulher mais votada para vereadora no Brasil: Erika Hilton, uma mulher trans preta em São Paulo. Em Belo Horizonte, Duda Salabert, outra mulher trans, foi uma das mais votadas. Para vencer a opressão, é preciso ocupar espaços e denunciar as agressões. Vidas Trans importam, vidas LGBTQIA+ importam.

A tirania foi a tônica de governos de alguns países do mundo, que usaram a pandemia como álibi para impor ainda mais restrições as pessoas. A regra é simples: obrigações e negações de direitos para muitos e privilégios para poucos. A pandemia revelou a miséria e o desastre dessa política de exclusão e morte. Da negação da pandemia e a inação governamental, vemos um poder cada vez mais distante de quem mais precisa de sua ação. A democracia enfim, saiu do coma, impôs algumas derrotas aos tiranos. Caiu Macri, a proibição do aborto e a isenção de impostos para grandes fortunas na Argentina, caiu o golpe na Bolívia, caiu a constituição do Pinochet no Chile, e caiu Donald Trump nos Estados Unidos. A democracia no mundo respira. Vidas democráticas importam.

Este ano foi um ano em que nunca se viu antes o papel individual das pessoas no seu cotidiano. Com a pandemia, quase toda a população mundial teve que mudar o modo de vida e passou a ver o outro de uma forma diferente, mesmo que à distância. O isolamento social nos fez notar o quão estamos distantes uns dos outros, e o quão empáticos deixamos de ser. Vivemos sob um modo de vida em que somente aquilo que nos rodeia era tido como importante. Hoje vemos que aquilo que o outro faz pode sim nos afetar. Que uma irresponsabilidade alheia pode nos trazer sofrimento e morte. Que exemplos vindos de outras pessoas que até então idolatrávamos, podem nos dar um bom ou um mal caminho. Tudo ficou mais próximo, mais visível. O fogo que ardia na Amazônia trouxe chuvas de cinzas em São Paulo. O doente assintomático de covid, que pegou a doença em uma festa clandestina, passou a doença para seus pais e avós que não resistiram. 2020 nos impôs a necessidade de sermos protagonistas e corresponsáveis por um mundo que nos ensina a sermos mais empáticos e mais humanos. Vidas além das nossas importam.

O confinamento, o bombardeio de notícias negativas, o escárnio e o desdém de outras pessoas, a guerra digital nas redes e as perspectivas cada vez mais sombrias de um futuro próximo, testaram nossos nervos e nossas emoções. Nunca ficamos tão distantes e tão desolados, nunca choramos tanto, nunca fomos tão flagelados pelo isolamento social e pela distância que tivemos que nos impor para salvar as nossas vidas e as vidas de quem amamos. Nunca precisou-se tanto de motivos para sorrir. Nunca precisamos tanto de um cafuné, de um ombro amigo e de um colo para chorar. Nunca nos sentimos tão frágeis, tão indefesos diante de uma situação de calamidade. Nunca estivemos tão cansados, tão atordoados, tão insanos e desesperados diante de um cenário tão adverso. Quem passou por esse momento tão difícil, jamais irá esquecer a agonia dos dias de 2020. Quem perdeu entes queridos e amigos na batalha contra a pandemia jamais irá esquecer o quão doloroso é a vida se esvaindo pelos dedos. Neste fim de ano, as vidas que se foram se tornaram um tributo para continuar lutando e valorizando cada vez mais a vida. Pois hoje e sempre: a vida importa.

O babaca do ano

Está chegando ao fim o famigerado ano de 2020. O ano em que muitos de nós, seres viventes homo sapiens deste planeta Terra, não guardamos em nossas lembranças com muito carinho. Um ano em que fomos rasgados por uma pandemia, que adiou planos, que destruiu famílias, que trouxe dor, medo e incerteza.

E todo final de ano nós reunimos os cacos para saber o que é o joio e o que é o trigo nessa imensa balbúrdia. E simbolicamente destacamos e enaltecemos o que foi bom e o que foi ruim no decorrer desses 366 longos dias de 2020. Sim, amigos, este foi um ano bissexto, um dia a mais de um ano que se tornou torturante a partir de março.

Então é hora de prestarmos as nossas homenagens e para um ano tão estranho para os “padrões normais”, que instituimos a excêntrica honraria de eleger o babaca do ano.

Não faltaram concorrentes, porém nós temos que puxar o fio da meada pois os personagens, que figuram nas mídias e redes, mais babacas e infames de sempre, fizeram de tudo para conquistar tal honraria este ano, porém já são al concours. São pessoas que com a sua opinião fétida, seu discurso tóxico e suas ações absurdas tornaram esse ano ainda mais difícil para grande maioria desses seres humanos. mas esses personagens folclóricos do que há de mais perverso no âmago da humanidade não existiriam se não houvesse quem batesse palma para esses loucos dançarem.

Por essa razão tal honraria não pode ser oferecida a uma liderança dessa insana idiotice. Esse líder só existe porque há alguém que acredite nele. Por isso o prêmio de babaca do ano vai para você.

Você que não suporta o que é diferente, que não aceita o mundo com mais cores, com mais amores, com mais diversidade. Você que se agarra mais a crença do que aos fatos. Você que dá carteirada, que pergunta “sabe com quem está falando?”, O que usa seu poder para humilhar os outros, e que abdica do seu poder para se safar. Você que prefere filmar com o celular a tragédia do que tomar partido dela. Você que deseja fazer justiça com as próprias mãos, por acreditar que a sua “justiça” é mais justa do que a justiça das leis e dos homens. Você que não admite o erro, a falha, o defeito e some como se nada fosse contigo. Você que desconfia apenas por desconfiar, que olha o preto como animal, a mulher como lixo e o LGBT como piada. Você que vive pondo a culpa nos outros. Você quer um filho que foge à luta. Você que quer medir os outros usando a sua régua. Você que acha que o outro tem que morrer. Que todos têm que ser iguais a você. Que farinha pouca é meu pirão primeiro. Que tem que levar vantagem em tudo. Que segue a cartilha do ódio, usando a falsa e hipócrita fé como álibi.

Aqueles trastes que tanto tu críticas na verdade espelham daquilo que tu és. Se hoje nós vivemos envoltos a tamanha idiotice e insanidade, é porque muitos de nós procuramos nos espelhar naquilo que há de mais torpe e cruel, quando deveríamos nos espelhar naquilo que nos engrandece e nos torna humildes.

Todos nós assim acabamos por ser babacas. De um jeito ou de outro, pois olhamos cada vez mais para nós mesmos e esquecemos que existe uma palavra que precisamos praticar todos os dias para vivermos melhor com os outros: a empatia.

Rejeite o título de babaca do ano, mas dizer não, não basta. Precisamos repensar as nossas atitudes. Precisamos nos por no lugar do outro. Precisamos ser melhores sempre. Para que o prêmio de babaca do ano deixe de fazer sentido.