Ocupar e resistir

Estávamos muito com os nervos à flor da pele ontem. E o day after do pleito, com nosso coração mais calmo e nossa cabeça mais oxigenada, agora nos permite oxigenar melhor nossas ideias.

Agora de manhã eu me deparo com o seguinte tuíte do influenciador digital Felipe Neto:

Analisando por este aspecto o ponto de vista é plausível, visto que a extrema direita estava turbinada com doações de empresários e verbas do orçamento secreto.

Algumas coisas a gente precisa tirar dessa eleição. Eu vou enumerar algumas:

  • Precisamos voltar para a base: boa parte da população que antes corria com a gente, hoje se sente desprestigiada e desassistida. A questão é identitária é muito relevante, mas o que a gente entende é que as pessoas que antes atuavam com mais presença nos sindicatos, igrejas, associações de bairro e movimentos sociais urbanos e rurais se “burocratizaram”. Colocaram tudo nas mãos do poder público, como se a tomada do poder político fosse uma solução para os problemas do país. A solução só acontece nas urnas e, principalmente, nas ruas. A disputa de espaços entre a esquerda e direita é real e a gente denunciava isso desde o aliciamento de fiéis para as eleições de conselhos tutelares, e representantes chapa-branca em cargos diretivos de caixas de assistência e previdência de estatais, sindicatos e associações de bairro, há muitos anos. Assim, pessoas sem identidade com as massas estão emergindo, com o espaço deixado e abandonado por lideranças, antes aguerridas.
  • Precisamos de colocar o coletivo acima de vaidades: a eleição para senador no Río de janeiro desta eleição mostrou que uma vaidade de um grupo de um partido provocou uma grande derrota. O PT do Rio de janeiro, em vez de apoiar a candidatura de Alessandro Molon do PSB, resolveu lançar candidatura própria, mesmo com as recomendações de boa parte da esquerda em não fazê-lo. O eleitorado se dividiu, e a direita, unida, votou em massa em Romário, que se reelegeu senador. A soma dos votos de Molon e o candidato do PT seriam suficientes para derrotar o PL na eleição para o senado no RJ. Essa fogueira de vaidades se tornou uma constante na esquerda brasileira, que, mesmo sob ataque da extrema-direita, não soube se unir, e manteve suas disputas internas. A desarticulação foi gritante e foi fundamental para a expressiva votação da extrema-direita e do Centrão nessas eleições.
  • Precisamos de renovação política: eles estão se renovando. Nós, não. Ainda temos muitas lideranças que estão ‘datadas’ e que ainda carregam conceitos que já não deveriam estar mais no discurso da esquerda. Tem muito jovem, muita mulher, que poderia ter mais espaço na liderança política, e que não tem, pois velhos líderes ainda se impõem e não permitem a renovação política. Aí muita gente se desanima e vai para o centro ou para a direita.
  • Precisamos de lideranças próximas das pessoas: isso casa com o primeiro item. O perfil das votações para deputado dizem bem o que estou dizendo. Boulos foi o campeão de votos para Federal, mas a Federação PSOL-Rede só elegeu 6 pessoas em São Paulo. Há uma cláusula de barreira agora no coeficiente eleitoral, impedido a eleição de candidatos com votação pífia. Muitos votos foram jogados fora, pois não conseguiram eleger ninguém. A estratégia eleitoral deveria ser mais pulverizada, com mais candidatos atingindo o índice. A direita fez isso muito bem. Mesmo não sendo campeão de votos, o partido de Eduardo Bolsonaro emplacou muitos candidatos com votação expressiva, e se elegeram.
  • Precisamos de estratégia de campanha parlamentar regionalizada: este item conversa com o anterior. Mesmo que a eleição para deputado estadual e federal seja uma eleição geral, em que uma pessoa em qualquer do estado pode votar em um candidato, uma estratégia regionalizada se torna mais eficiente. Seria transformar em uma espécie de voto “distrital”, onde cada candidato teria uma região para focar sua campanha. Mesmo que não sejam todos os candidatos a fazer isso, a maioria deve atuar dessa forma para não haver “disputas fratricidas” com candidatos de um mesmo partido ou coligação disputando votos em um mesmo local, ou em um mesmo grupo de pessoas.
  • Precisamos ter um compromisso pragmático e ideológico definido: uma das grandes armadilhas de uma democracia representativa como a do Brasil é que os partidos políticos tem que se sujeitar a regras eleitorais de representatividade para sobreviverem. E isso faz com que pessoas que não tem nenhum compromisso programático e ideológico com o partido se junta a legenda e comprometam a credibilidade e a coerência ideológica do partido. Não dá mais para colocar gente conhecida e que se destacou em algum momento para encabeçar uma candidatura. Vimos o exemplo do cabo daciolo no Rio de Janeiro. Ele liderou o movimento paredista de bombeiros, foi convidado a se filiar ao PSOL, mas depois viu-se que ele não tinha nenhum uma identificação ideológica com o partido, e saiu atacando a esquerda. Por outro lado, pessoas que têm um compromisso ideológico importante com a sigla, são desprestigiados porque é muito mais interessante para um partido o seu “potencial eleitoral” do que a sua coerência ideológica com os valores que o partido prega. É necessário que as pessoas que se filiam a um partido político recebam uma formação política, e que pessoas que comprovadamente estão utilizando o partido em causa própria sem nenhum compromisso e identidade ideológica seja excluídos da sigla, por mais potencial eleitoral que essas pessoas tenham. Do contrário, os partidos vão se render ao fisiologismo partidário e se igualar aos partidos de direita.
  • Precisamos valorizar a nossa militância orgânica, aguerrida e apaixonada: levamos Lula para o segundo turno, o PT elegeu três governadores no primeiro turno e levou quatro candidatos ao segundo turno, o PT elegeu 12 deputados a mais do que em 2018 e o sol agora tem 12 deputados, dois a mais que 2018. O PV ganhou dois deputados e agora tem seis, a rede ganhou dois deputados. O PT tem 9 senadores, ganhou dois. São Paulo tem oito deputados estaduais a mais do que a eleição anterior o pessoal ganhou um deputado a mais do que a eleição anterior. Guilherme Boulos foi o segundo deputado federal mais votado do país com um milhão de votos. Tudo isso só foi possível porque nós temos uma militância orgânica, aguerrida, e apaixonada. Por que a direita e a extrema-direita podem pagar por tudo isso: pode pagar impulsionamento nas mídias sociais, tenho o domínio do algoritmo das mídias sociais porque as mídias sociais são capitalistas, podem contratar as melhores cabeças podem corromper qualquer um com dinheiro. Mas a militância de esquerda não tem disso. A maioria dessas pessoas está aqui porque quer um Brasil diferente, melhor e mais justo. Mas a gente percebe que pequenas lideranças que poderiam impulsionar uma boa parte dessa militância não estão sendo devidamente valorizados. O outro lado já construiu os seus currais com lideranças demagogas e utilizando do senso comum com muitos preconceitos e absurdos que estão incrustados na cultura brasileira e que precisam ser mudados.
  • Precisamos ser firmes e claros em nossas posições: encampamos uma grande quantidade de bandeiras, que batem de frente com o conservadorismo que sempre limita as capacidades humanas por meio de doutrinação ideológica. É exatamente isso que eles fazem, doutrinação ideológica ou seja, nós somos acusados do que eles praticam todos os dias e com todas as ferramentas possíveis: mídia eletrônica e digital, igrejas jornais, propaganda. Eles não querem que as pessoas saibam os reais efeitos da cannabis. Eles não querem que as pessoas saibam dos direitos da mulher e da desigualdade de direitos reprodutivos entre a mulher e o homem. Eles não querem que você saiba sobre a diversidade sexual. Eles não querem que você saiba que o capitalismo da forma que está fomenta desigualdades. Eles não querem que você saiba o racismo estrutural e o genocídio preto indígena que ocorre diuturnamente nesse país. Eles não querem que você saiba que em nome do agronegócio estão se destruindo a floresta e oferecendo as pessoas uma alimentação de péssima qualidade com produtos ultraprocessados que fazem mal à saúde. E fugir do assunto, só favorece esses discursos da direita. é preciso enfrentar e defender a liberdade humana e o respeito ao próximo porque tudo isso que nós defendemos bate de frente com a opressão que eles querem impor.
  • Precisamos fazer autocrítica: Esse é o ponto mais pesado que teimamos em não fazer. Todos nós somos mentes pensantes. Mas quando uma mente pensante aponta um problema que precisa ser resolvido, em nome de um corporativismo tolo, essa mente acaba sendo censurada, desprestigiada e marginalizada pelo movimento. Ouvir críticas internas faz parte do jogo democrático e do fortalecimento da ideologia e das ideias. Pois gado é só aqueles que estão do outro lado aceitando todas as mentiras que lhe são contadas.Precisamos ser diversos, mas sem impor conceitos aos outros: esse é outro ponto polêmico mas tem uma explicação para isso. Dentro da esquerda existem diversos tipos de movimentos: temos os marxistas, os leninistas, os trotequistas, os anarquistas, os da internacional socialista e outros tantos movimentos de esquerda inclusive moderados, reformistas e independentes. Dentro daquele conceito de fogueira de vaidades há uma disputa tola entre qual o conceito é o melhor. E essas disputas levam a desentendimentos, fragmentação, e desunião das esquerdas. É possível promover um debate com abertura para diálogo, desde que todas as partes estejam dispostas a conhecer a outra parte e discutir de maneira sábia e ordeira as questões pertinentes. A gente sabe que do outro lado todo mundo é unido em torno do dinheiro. A gente poderia aqui estar todos unidos em torno de uma causa, mas se divergem em relação ao método, e isso faz com que a coisa não ande.
  • Precisamos ser coerentes naquilo que defendemos: se nós defendemos a causa feminista, a causa anti-racista, a causa LGBT, a causa PCD, a causa ambiental, a causa sindical, não podemos permitir que casos de racismo, homofobia, misoginia, capacitismo, e degradação ambiental façam parte dos nossos atos e procedimentos. Todos nós temos, enquanto militantes, a obrigação de conhecer todas as causas que nós defendemos para não agir em dissonância com essas causas. Pois a verdade é que todos nós somos vítimas de um mesmo sistema opressor e cada uma dessas violações de identidade é um tentáculo deste sistema. Ou seja, todos nós temos a obrigação de defender a todos aqueles que sofrem algum tipo de opressão. E não devemos nos render ao corporativismo de tentar esconder essas violações. For preciso cortar na carne para defender essas causas, tem de ser feito. Pois é necessário entender que a postura individual não deve servir de pretexto para uma defesa de um coletivo a essa postura reprovável.

É muito importante refletirmos esse momento. Pois a democracia está em uma situação crítica, pois vivemos uma crise de representatividade. Os representantes estão muito distantes dos representados. E isso provoca a anti-política, é um sentimento de aversão a decisão coletiva que a política nos traz. E isso se torna um terreno fértil para o fascismo, para uma política neoliberal que libere o capital de oprimir as pessoas. As pessoas precisam voltar a ter voz e vez. Figura do político não deve ser uma figura de impor um poder, e sim de trazer anseios das pessoas para um espaço de poder. E esse processo ele deve ser contínuo e continuado que parece uma redundância, mas é um processo que não deve parar por nenhum instante e deve fazer uso de todos os recursos possíveis para ser um agente transformador da sociedade. Nós temos a nós mesmos, e precisamos dar voz a quem não tem voz.

E política se faz com presença. Precisamos ocupar os espaços e resistir a todos os tipos de ataque. Nós sabemos que a direita e a Extrema direita querem deixar a esquerda acuada pois sabe muito bem que a revolução humana está contida nela. Que nossos ideais são construtivos e visam uma harmonia coletiva entre as pessoas. Que não temos medo dos anseios de liberdade e que não devemos nos render a ganância que faz com que cada mês mais pessoas se tornem miseráveis em detrimento de uma pequena elite que tem acesso a praticamente tudo. Lembrei da minha querida amiga Rafaela Boami, a mais jovem candidata a prefeita do país, que liderou o movimento de ocupação das escolas em Diadema movimento este que cresceu e houve ocupações em diversas escolas em São Paulo. Sua palavra de ordem “ocupar e resistir” deve ser um monte de todo militante de esquerda a partir de agora. Temos que disputar cada palmo de chão. Temos que resistir a todo tipo de provocação, intimidação e violência. Pois todos aqueles que tombaram nessa terra, lutaram por ela. E é por aqueles que tombaram, lutando por justiça, ainda lutamos.

Somos todos miseráveis

Desde domingo assumimos nossa condição de miseráveis.

Nossa miséria é política. Nossa miséria é ideológica. Somos miseráveis em valores. Somos miseráveis em verdades.

Nossa miséria é egoísta. É paranóica. É mentirosa, desonesta. Nossa miséria atua em interesse próprio. Nossa miséria é hipócrita. Nossa miséria é a mais miserável das misérias.

Todos os dias a vemos. Reclamamos dela, mas dela somos cúmplices. Como um amor escondido, onde a maldizemos em público, mas nos encontramos com ela secretamente.

Acusamos a miséria alheia e não admitimos a nossa. Vivemos nosso jogo tolo de acusações para mostrar ao mundo que o outro é o retrato da miséria. Mas a miséria somos todos nós.

A miséria difama. A miséria agride. A miséria bate. A miséria silencia. A miséria sentencia. A miséria proíbe. A miséria assedia. A miséria humilha. A miséria ordena. A miséria mata. E nos torna cada vez mais miseráveis.

Hoje temos edificado o espelho de nossa miséria. O ódio é a miséria. A tirania é a miséria. O charlatanismo é a miséria. E logo veremos a pobreza, a morte, a perseguição e o arbitrário revelarem a face mais sombria de nossa miséria.

Devemos admitir que somos miseráveis. A humildade em assumir as falhas é o prenúncio de nossa redenção.

Só deixaremos de ser miseráveis quando combater a nossa miséria e não crer que ela está no outro.

Arma

A arma estará na mão do motorista. Que fechou o seu carro na grande avenida.

A arma vai estar na cintura do homem. Que assedia a mulher na festa, mulher que pode ser sua amiga, sua filha, sua namorada, sua esposa.

A arma pode estar na casa do homem de bem. Cujo filho sofreu bullying na escola. Cuja filha está deprimida. Ou do desesperado porque perdeu o emprego. E também estará em casa quando o bandido do mal for rouba-la.

A arma pode estar no porta-luvas. Do carro do homem que não admite o fim do relacionamento.

A arma pode estar na fazenda. Improdutiva, cujo fazendeiro usará para se “defender” dos camponeses, que não concordam com o jeito com que o fazendeiro distrata a terra.

A arma pode estar com o grileiro. Que vai atirar em tudo o quanto for bicho vivo. Até gente. Até índio. Até satisfazer sua cobiça por terra. Que nunca acaba.

A arma vai estar com o rico. Só estará na mão do pobre honesto, quando desfalecido, para justificar o erro da abordagem policial.

A arma sempre estará na mão de quem quer impor respeito. Sempre estará na mão de quem oprime. Sempre estará na mão de quem não quer de verdade se defender. Pois nem sempre a melhor defesa é o ataque.

A arma é o poder através da violência. A arma nunca será o objeto da paz. E aquele que quer a paz, não se arma de armas, e sim de ideias, de soluções e de diálogo.

Aqueles que tolamente crêem na arma como objeto de pacificação um aviso.

Também morre quem atira.

Sozinhos não estamos

Eu hoje em minhas andanças, no vagão do metrô, uma senhora que estava à minha frente elogiou a minha camiseta. Estava estampada uma charge da personagem Mafalda de Quino. Nela estava escrito “Sim às democracia! Sim à justiça! Sim à liberdade! Sim à vida!” Ela elogiou minha coragem por conta do momento tão nebuloso que atravessamos. E se emocionou. Também fiquei comovido, não apenas com a nossa conversa, mas porque por tudo o que passamos e tememos, vemos que não estamos sozinhos.

Ela me falou sobre um movimento de meditação em busca da paz. Precisamos de paz e também de coragem para continuarmos resistindo ao mal que sufoca a razão e a solidariedade que deveríamos ter.

Nesses oásis de humanidade em um deserto de ódio. Só o fato de não estarmos sozinhos nos fortalece. E nos traz um pouco de alento.

Sozinhos não estamos.

Síndrome de Borba Gato

Você conhece Borba Gato?

Borba Gato era um bandeirante. Desbravou São Paulo, mas às custas da morte de milhares de índios. Mesmo com este viés tirano e genocida, a história, por muito tempo, o aclamou como heroi. Esse personagem ilustra bem o sentimento que algumas pessoas, ao verem a vitória eleitoral de Dilma Rousseff, expressaram naquele momento.

São Paulo ainda guarda o berço de um narcisismo político oriundo da política café-com-leite. Muitos paulistas acreditam ainda que o estado é o carro-chefe do Brasil. O pensamento conservador do paulista, sobretudo nas urnas, pode ser considerado como consequência desta crença na liderança. São Paulo vê a posição hegemônica desvanecer e tenta, com todas as forças, defender essa posição. Este paradigma é observável pela postura arrogante de seus governantes. Age com truculência contra posições contrárias, mantém velhas práticas políticas reprováveis, busca a resolução dos problemas agindo sobre os efeitos, e não as causas, mantém uma conduta hipócrita quanto a corrupção, alimentam uma cultura nacionalista paulista, além de intervir no processo educacional, de modo que a educação seja apenas funcional e voltada para o mercado de trabalho. Por conta dessas práticas, não seria de se admirar o tamanho do apoio dado pelo estado a Aécio Neves, e a reação de muitos destes, de forma desrespeitosa e truculenta, ao resultado desta eleição. Ao apontar vergonha em relação ao resultado do pleito e ao hostilizar nordestinos e beneficiários do programa bolsa-família, evidencia-se a ignorância e o desrespeito ao próprio país.

Como o estado de São Paulo sempre ostentou ser um estado rico, a tola crença em creditar a derrota de seu candidato favorito às classes pobres beira a um fanático devaneio. Até porque muitos dos que hoje estes trucidam, ajudaram-os a construir a riqueza deste estado, sem contar que poderão ter o sangue nordestino correndo em suas veias, dada a  miscigenação. A mudança é que até a década de 1990, todas as políticas nacionais de desenvolvimento eram voltadas apenas para o centro-sul do país. Às regiões norte e nordeste, apenas programas assistencialistas, exceção à Zona Franca de Manaus. A visão de alguns especialistas é que, para que o Brasil tenha um ritmo de crescimento e desenvolvimento sustentável, seria preciso um projeto de âmbito nacional, e que contemplasse todas as localidades do país, concentrando ações em locais onde este desenvolvimento estivesse em condições de crítica carência. A balança regional brasileira precisava ser equilibrada. Após a estabilidade econômica, em 1994, já era possível buscar o equilíbrio regional, que ganhou um impulso maior com as últimas administrações. Daí o apoio à continuidade do governo, por parte das regiões que mais foram beneficiadas com estes programas. As regiões do centro-sul do país, que já possuíam um grau de desenvolvimento, viram esta busca pelo equilíbrio regional, como uma ameaça. Primeiro, porque aumenta a concorrência econômica, tanto na disputa por instalação de empresas, quanto na questão tributária. Depois porque a pujança de arrecadação tributária se reduziu sensivelmente, dada a concorrência interna com outras regiões quanto pela redução dos repasses de arrecadação de tributos federais para estes locais. Isto forçou estes estados a caminharem por dois viéses: ou o viés nacionalista e defensor do paradigma, ou o viés de busca de uma melhor eficiência gestora, com melhor organização dos recursos e desenvolvimento de uma gestão mais ágil, menos burocrática e mais efetiva. Ficou claro qual dos viéses foi escolhido. A estagnação dos estados do centro-sul não se deu pelo desenvolvimento dos estados do norte-nordeste, e sim, pela ausência de capacidade e competência de seus governantes em se adaptar a uma nova realidade integrada ao contexto nacional atual.

Tanto que alguns exaltados até defendem o separatismo: a separação das regiões do sul, com o norte-nordeste. Desde muito tempo, o Brasil vem sendo governado de forma segregada, com privilégios às regiões sul e sudeste do país. É perfeitamente compreensível, porém inaceitável, que quando se ensaia uma política integradora do país, quem sempre era privilegiado passe a agir com rancor, e desejar o retorno da velha norma.

Nas redes sociais, viram-se manifestações bastante condizentes com manifestações fascistas, onde a xenofobia, o nacionalismo regional e nacional, a defesa de paradigmas, a fé e o manifestações de ódio, com perseguição a grupos políticos e de origem regional ganham tônica. O que se viu a seguir foi uma reação a este pensamento, com a repreensão e condenação destes atos. O momento é delicado e exige-se razão, além de serenidade. Pois este processo eleitoral foi o mais intenso e acirrado da história da República Brasileira, e pode ser considerado um teste de estresse da atual democracia do Brasil.

Agora, devemos nos questionar: estamos sendo o melhor de José de Anchieta, ou o pior de Borba Gato? Sejamos, não importa se paulistas, sulistas ou nordestinos todos brasileiros.

A esperança e o medo

Uma notícia me estarreceu, me deixou com medo.

Noticiada pelo portal UOL (Leia em http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/10/22/em-ato-pro-aecio-militantes-xingam-dilma-e-gritam-viva-a-pm.htm), relatou-se um ato pró-Aécio em São Paulo, onde as palavras de ordem eram “Dilma Terrorista”, “Fora PT”, e tinham o apoio de Eduardo Bolsonaro (deputado eleito pelo PSC em SP, filho do deputado Jair Bolsonaro, um dos autores do atentado do RioCentro em 1981), o ex-jogador Ronaldo, FHC, Paulinho da Força, entre outros. O fato de um ato a favor de um candidado se tornar rapidamente um ato de ódio a outro e ao grupo político ao qual este pertence denota claramente uma ausência de discurso do primeiro e evidencia um sentimento coletivo temerário: o fascismo.

Sim! Fascismo! Com todas as letras! Os ditos defensores da liberdade, pela moralidade e contra a corrupção, na verdade são a  favor da opressão, hipócritas e mais corruptos do que quem os critica.

Os protestos de junho foram entorpecidos e envenenados pela grande mídia e pelos fascistas que alí se instalaram, seja no “movimento contra a corrupção”, seja no “movimento pela intervenção militar no Brasil”, seja em movimentos menores e também intoleráveis, como a oposição ao programa Mais Médicos e a defesa da “Família Tradicional”, heteronormativa. Tanto é que o reflexo nas urnas foi exatamente o oposto do que se propunha nas ruas: a nova legislatura será mais conservadora e mais alinhada aos paradigmas, que nos impedem de tornar o Brasil um país mais justo, democrático e moderno.

E com a eleição de Aécio, o processo de radicalização dos paradigmas no país será catalizado, pois certamente, dadas as características que conhecemos da política brasileira, Aécio irá atendender aos anseios de todos aqueles que o apoiaram, entre eles temos Bolsonaro, Malafaia, Feliciano, Bornhausen, Bancada Evangélica, além dos ruralistas, dos defensores da terceirização, da flexibilização das leis trabalhistas, do Estado Mímimo, da Privatização, do armamentismo, do militarismo, e por fim, do fascismo.

A história, às vezes tem seus movimentos cíclicos, que muitas vezes são justificados pela falta de entendimento, ou de conhecimento das falhas que provocaram os atos que agora retornam. Não podemos permitir que a história volte a repetir tal qual em 1964. Ativistas de esquerda foram taxados de terroristas e muitos deles foram perseguidos e mortos, dada uma redemocratização falha e não pautada em desenvolvimento social. Vemos a possibilidade de deter esse retrocesso, pois hoje temos diversas vozes atuando, e não poucas, como naquela época. Temos uma democracia consolidada, e liberdades individuais garantidas.

Em 2002, o terrorismo eleitoral foi sintetizado na fala de Regina Duarte, na campanha de José Serra: “Eu tenho medo.”. Ao vencer a eleição, Lula declarou: “A esperança venceu o medo.”

Se uma parte da história precisa se repetir, que seja a de 2002, não a de 1964.

A morte do estado Laico Brasileiro

Em sua jornada eleitoral, Dilma Rousseff, candidata à reeleição, disse que “o Brasil é um Estado laico, mas feliz a nação cujo Deus é o Senhor”. Esta frase trouxe preocupação a todos os defensores de um estado laico, já que a laicidade do estado está no princípio de não conceder nenhum benefício ou privilégio a um credo.

Há muito tempo que um certo movimento evangélico popular vem empreendendo lobby político, visando a defesa de seus interesses. Porém estes interesses, muitas vezes esbarram no estado de direito e no estado laico. Por esta razão os evangélicos passaram a participar cada vez mais da política, com um público cativo de seus fieis, além de já comporem uma bancada no congresso nacional. Seu maior feito foi presidir a comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos deputados com o Pastor Marco Feliciano (PSC-SP).

Esta eleição será a primeira com um candidato a presidência pastor evangélico (Pastor Everaldo do PSC) e já conta com dois partidos representantes de seus interesses: o próprio PSC e o PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, e que compõe chapa com a candidatura de Dilma.

Dois projetos capitaneados pelos evangélicos são ameaçadores a alguns grupos, como o movimento LGBT e os movimentos de defesa do estado laico. Há projetos que prevêem a inclusão de lideranças religiosas cristãs entre os grupos que podem propor ação direta de inconstitucionalidade (privilégio exclusivo do presidente, governadores, senado, câmara, governadores de estado, procurador-geral da república e OAB nacional para propor junto ao STF que uma lei seja inconstitucional), e o estatuto da família, que estabeleceria que o casamento só seria permitido no Brasil entre um homem e uma mulher, tornando ilegais todos os casamentos gays registrados no país.

Na África, a influência negativa de missionários cristãos, além da de fundamentalistas islâmicos, em alguns países tem causado resultados trágicos. A perseguição contra homossexuais em Uganda é o exemplo mais emblemático. A lei Anti-gay aprovada este ano, que porém recentemente revogada, é prova de que quando se mistura religião e política, o resultado na maioria das vezes é desastroso. Há cerca de 20 anos, o processo de homofobia institucionalizada vem ocorrendo em Uganda, inclusive com casos absurdos de jornais publicando nomes e endereços de pessoas homossexuais, assumidas ou não, sem contar as perseguições e assassinatos de homossexuais, que na maioria dos casos, não tem seus agressores punidos. A África se tornou um terreno fértil para atos de intolerância religiosa, dado ao fato de que foi colonizado pela Europa e a colonização trouxe um processo de destruição das raízes culturais e da auto-estima de seu povo.

Segundo a organização não-governamental de defesa dos direitos LGBT All Out, em 77 países do mundo a homossexualidade é enquadrada como crime, inclusive com a pena de morte em alguns deles.

O Brasil viveu sob 21 anos sob uma ditadura, onde as liberdades individuais eram restritas. Hoje vivemos em um país livre e democrático. Mas é preciso bom senso. A vontade de muitos (muitas vezes induzida por alguns) não pode induzir o Estado a restringir o direito que as pessoas tem de ser o que são. O amor é um direito inegociável e irrestrito a todos os seres humanos!

Rede Globo debuta no HDTV em jornalismo com as eleições

Em 7 de junho, publiquei um artigo criticando o conteúdo em alta definição da Rede Globo de Televisão. Parece que a Globo resolveu reagir em um evento importante do jornalismo nacional: as eleições municipais. Nos municípios onde houve debates no primeiro e segundo turnos e já possuiam emissoras com transmissão em HDTV, esta tecnologia foi utilizada, e ao vivo. O último debate entre José Serra e Fernando Haddad em São Paulo, transmitido no último dia 26 de outubro, foi em HDTV na íntegra.

Direto do Rio de Janeiro, os jornalistas William Bonner, Alexandre Garcia e Marcio Gomes apresentavam a cobertura das eleições municipais com o resultado das apurações e pesquisas de boca de urna, em inserções durante o Domingão do Faustão, sendo que a maioria delas foi transmitida em HDTV. Entretanto, o Domingão do Faustão, por ter sido gerado em São Paulo, estava sendo transmitido na definição padrão, também ao vivo. Também não foi em HDTV a cobertura local. Em São Paulo, a cobertura local foi apresentada por Cesar Tralli, do estúdio do SPTV, porém em definição padrão.