A ciência dos antigos

Nesta eleição, as igrejas evangélicas neopentecostais tem tido um papel bastante relevante nas eleições com apoio a candidatos, e líderes dessas igrejas direcionando os seus fiéis a votarem nos candidatos indicados por eles. É muito importante ressaltar que fiéis dessas igrejas são uma parcela bastante relevante do eleitorado brasileiro. É um eleitorado fiel e leal aos conceitos ministrados por seus líderes, o que se torna um objeto de cobiça pelos candidatos em disputa. Também é importante ressaltar que muitas dessas igrejas compartilham de conceitos conservadores baseados em pautas de costumes, sendo estes bastante restritivos em questões comportamentais, tais como vestimenta, orientação sexual, comportamento, disciplina, preferências para consumo, negócios, emprego, sendo assim os seus líderes como importantes imperativos e dotados de grande poder de influência.

A questão que quero levantar aqui é como que esse poder de influência se formou, mas não pela situação atual, mas por conta de uma raiz histórica. É necessário entender porque que muitas pessoas que seguem cegamente esses conceitos religiosos possuem um comportamento bastante influenciável em relação a seus líderes, mesmo que esses líderes tenham falhas de conduta severas, e pode são usar o seu poder de influência para desvirtuar conceitos e influenciar pessoas a fazerem coisas que não têm relação nenhuma com a religião, como por exemplo votar em um candidato contestável.

A gente precisa entender que nos tempos antigos questões fundamentais da existência humana também existiam e também o ser humano não tinha meios de produzir e validar o seu conhecimento. Tudo o que sabiam era um passados por seus antepassados, que simplesmente acreditavam que aquele fato que repassavam aos seus descendentes era uma verdade. Muitos dos conceitos encontrados no antigo testamento da Bíblia tinham relação direta com o conceitos apreendidos de geração para geração em que houve de fato muito conteúdo empírico, mas repassado a seus descendentes na forma de um conceito que tinha um caráter de lei, de ordem, e que não era justificado. Os dez mandamentos, que é considerado dentro do cristianismo a lei máxima da religião cristã apenas tem 10 conceitos de ordem, sem nenhum texto adicional justificando essas ordens. Isso era necessário para que essas informações pudessem ser disseminadas rapidamente e assimiladas rapidamente pelas pessoas, porque não havia de certa forma um sistema de comunicação de massa que pudesse replicar essa informação de forma rápida, então tinha que se passar informações simples que pudessem ser transmitidas de boca a boca entre as pessoas que compartilham de uma mesma crença.

Quando a igreja católica se organizou na idade média o conceito ficou sistematizado, porém com o isolamento provocado pela peste negra e o regime feudal, parte dos conceitos se deturparam, colocando a figura do padre como autoridade máxima da religião onde havia muitos párocos que não compartilhavam plenamente de todos os conceitos bíblicos e também não tinham a preparação necessária para isso, inclusive com muitos padres analfabetos. A reforma de Lutero forçou a igreja católica se reformar tendo que impor uma norma mais rígida de formação de párocos, e a imposição de normas que tornassem a igreja católica com uma estrutura mais rígida.

Quando chegou a idade moderna, o conhecimento começou a se dissociar de conceitos religiosos. Primeiro pelos processos de experimentação de diversos pensadores, alguns deles punidos pela igreja. Mas partiu de um pensador oriundo da própria igreja a consolidação do conhecimento independente de dogmas religiosos. Foi com René descartes, com o seu pensamento cartesiano, que se introduziu conceitos que passaram a ser considerados como método científico, e assim permitiu-se com que um conhecimento pudesse ser descoberto e validado.

A revolução francesa provocou uma mudança muito forte na questão do poder. Era um dos últimos pontos que separava estado de igreja. A igreja exercia um grande poder político, a sucessão monárquica, já que grande maioria dos países europeus eram monarquias precisavam ter algum tipo de validação ou aval da igreja por meio do Papa. Quando veio a revolução francesa esse poder da igreja diminuiu, e o poder do capital cresceu, com a ascensão da burguesia.

A burguesia entendeu que era preciso investir em conhecimento para que este se tornasse mais poderoso. Os mecenas financiaram grandes projetos, que vieram desde da navegação, até a produção industrial, e a descoberta de novas fontes de energia como a eletricidade. Isto fez com que cada vez mais o conhecimento se tornasse cada vez mais independente do modelo religioso.

Assim se tem uma classe cada vez mais intelectualizada e com o domínio da técnica, encontra. A uma grande quantidade de pessoas que não tinham o domínio da técnica apenas faziam atividades que eram vistas como indispensáveis à produção, mas que não tinham acesso ao domínio da técnica, ao domínio da produção, ao domínio da tecnologia.

Chegamos a modernidade. Hoje a tecnologia está cada vez mais acessível graças ao avanço tecnológico e das tecnologias de comunicação e informação, fazendo com que o acesso ao conhecimento se tornasse mais facilitado. Para um pequeno grupo de burgueses, isto seria uma ameaça pois tornaria a economia mais competitiva, com mais pessoas participando do processo econômico e com a possibilidade de maior justiça social. Mas não podemos deixar de esquecer que nos séculos XVII e XVIII, o escravismo foi um grande elemento motriz do capital. E no início do século 20, as condições de trabalho nas indústrias e carvoarias eram condições análogas à escravidão, com jornada de trabalho de até 16 horas diárias inclusive com o emprego de trabalho infantil. Sempre buscou-se para garantir o aumento de suas margens de lucro o barateamento dos custos de produção, sobretudo a mão de obra.

Qual a relação hoje entre capitalismo e o fanatismo? Entende-se de que muitos grupos burgueses apoiam modelos de fanatismo religioso porque esses modelos vão fazer com que as pessoas abdiquem de seus poderes de produzir e validar conhecimento. Seria o fanatismo hoje uma espécie de placebo, fazendo com que a pessoa acredite que esteja recebendo “ciência”, quando na verdade não está. Isto não vale a pena para a religião. Muita parte da propagação de notícias mentirosas e desinformação partem de princípios do senso comum, preconceitos mantidos e não contestados pois a educação para a população que não é de uma elite intelectual, é uma educação meramente instrumental para habilitar essas pessoas a desempenhar suas tarefas laborais de baixo nível.

Historicamente, a religião era a ciência dos antigos. Quando Descartes introduziu o método científico, houve um descolamento entre o que é dogma, e o que é conhecimento, pois o primeiro é validado pela crença e o segundo pela experimentação e prova. Pessoas sem o acesso ao conhecimento precisam se ver intelectualmente respeitadas, e por isso se agarram a crenças e dogmas, por considerar que é uma “ciência”. O conhecimento foi intelectualizado e abduzido pelo capital, colocando apenas uma pequena classe de pessoas, o acesso pleno ao conhecimento e ao método de criação e validação de conhecimento, coisa que a maioria das pessoas lhes é negado o acesso. O “conhecimento formal” que recebem é apenas para instrumentalizar essas pessoas a realizar as tarefas laborais cabíveis a elas. Abrir o conhecimento amplo às pessoas significa dar a elas a autonomia e a independência, pois se esse conhecimento é limitado, essa pessoa não saberá que há alternativas e poderes, se tornando presa fácil para qualquer tipo de ludibriação.

O objetivo desse artigo não é invalidar a religião. O objetivo desse artigo é evitar que a religião seja deturpada por lideranças que não tenham compromisso em manter a integralidade da religião, corrompendo-a para satisfazer a interesses particulares ou de seus grupos de interesse. A religião foi a ciência dos antigos, e esse papel histórico não pode ser negado. Mas hoje nós temos uma nova ciência, que precisa ser acessível a todos para que possamos professar a nossa fé sem ficar preso a ninguém.

Até quando, liberdade?

Era um domingo de sol, não tão calorento quanto nos verões, porque estamos no outono, mas era um domingo agradável, com sol bonito e caloroso. Eu precisava sair para respirar um ar fresco. Até porque o ar confinado, mesmo que seja só o seu, costuma ser tóxico e ficar enfurnado em casa não é saudável nem para o corpo, nem para a mente. Minha cabeça estava a mil, mil pensamentos, mil coisas a fazer, sonhos estranhos, muita raiva acumulada. Talvez uma visão mais ama do céu fosse ajudar. Calcei um tênis, pus minha máscara e fui.

Tentei correr, mas as pernas não suportaram o primeiro quilômetro. Encerrei a corrida e fui caminhar. Minhas caminhadas são longas, no mínimo de uma hora, e durante a caminhada procuro não pensar em muita coisa, bastando observar o movimento: as crianças brincando, homens e mulheres com seus cachorros, algumas outras, como eu, fazendo algum exercício. A minha caminhada costuma ser feita em uma praça um pouco distante, não apenas por ser tranquila, mas por ser um estranho alí, dificilmente seria incomodado.

Voltei e fui pra uma praça mais próxima de casa. E aí olhar para o céu, azul, vi uma batalha de pipas, que se degladiavam, comandadas por crianças, adolescentes, jovens e alguns adultos, quase todos homens. A disputa era acirrada, grupos empinavam pipas, tentando com linha cortante, derrubar do céu outros pipas. Quando um pipa era derrubado, ouve-se gritos de ‘mandado’ e há uma correria de crianças e jovens para apanhar o pipa que caía do céu.

É uma cena surreal em plena pandemia, mas é uma cena real. Crianças e jovens não vinham sendo afetados pela doença do COVID. Tanto que a quantidade de crianças e jovens usando máscara era muito pequena. Eu era um dos poucos mascarados em dezenas de pessoas na praça.

É um momento de crença e descrença. Onde escolhemos o que é a verdade como quem muda um canal de TV. O doloroso é saber, que para muitos desses, que agarram falsas verdades, a verdadeira verdade irá lhe impor uma dolorosa lição. E a verdade somente triunfará quando todos acreditarem nela.

É como diz na bíblia: Conheça a verdade e ela vai te libertar. Somente iremos alcançar a verdadeira liberdade quando os mentirosos perderem todo seu poder. A liberdade será a pomba branca que irá nos avisar que a verdade venceu. Até quando, liberdade? Até quando iremos te esperar? Ainda tenho esperança.

Somos todos miseráveis

Desde domingo assumimos nossa condição de miseráveis.

Nossa miséria é política. Nossa miséria é ideológica. Somos miseráveis em valores. Somos miseráveis em verdades.

Nossa miséria é egoísta. É paranóica. É mentirosa, desonesta. Nossa miséria atua em interesse próprio. Nossa miséria é hipócrita. Nossa miséria é a mais miserável das misérias.

Todos os dias a vemos. Reclamamos dela, mas dela somos cúmplices. Como um amor escondido, onde a maldizemos em público, mas nos encontramos com ela secretamente.

Acusamos a miséria alheia e não admitimos a nossa. Vivemos nosso jogo tolo de acusações para mostrar ao mundo que o outro é o retrato da miséria. Mas a miséria somos todos nós.

A miséria difama. A miséria agride. A miséria bate. A miséria silencia. A miséria sentencia. A miséria proíbe. A miséria assedia. A miséria humilha. A miséria ordena. A miséria mata. E nos torna cada vez mais miseráveis.

Hoje temos edificado o espelho de nossa miséria. O ódio é a miséria. A tirania é a miséria. O charlatanismo é a miséria. E logo veremos a pobreza, a morte, a perseguição e o arbitrário revelarem a face mais sombria de nossa miséria.

Devemos admitir que somos miseráveis. A humildade em assumir as falhas é o prenúncio de nossa redenção.

Só deixaremos de ser miseráveis quando combater a nossa miséria e não crer que ela está no outro.

Não foi Deus o culpado

Noite sangrenta em Paris. Terroristas transformaram a cidade-luz em um território negro e sombrio. Corpos inocentes tombavam na noite parisiense para saciar a sede de ódio, travestida de vingança e desagravo a uma religião. Mentira! Não é a religião a culpada, é a estupidez.

Noites turbulentas no Brasil. Pseudo-líderes religiosos demonizam pessoas. Seus ‘crimes’? Aceitarem-se como tais, viverem sua diversidade sexual, e assumir sua identidade de gênero, pedindo ao estado “apenas” o que é de direito: dignidade. E motivados por essa demonização, pessoas que seguem esses “líderes” matam, estupram, desrespeitam, agridem e lutam para que os LGBT’s não tenham direito a nada.

Separemos o joio do trigo. As divindades foram concebidas como norte espiritual, como meio de as pessoas buscarem plenitude de vida. O que vemos quando um homem pratica o mal contra seu semelhante motivado pela crença doentia por uma divindade, é buscar na fé um álibi para sua perversidade.

Pois o mal advém de quem o atua, e retrata claramente como sua crença se distorceu e se desvirtuou da convivência pacífica e harmoniosa com seus pares.
Pois o que todas as crenças tem em comum são valores, e muitos desses valores podem ser cultivados até mesmo sem a crença.

Mas a fé busca trazer a nós uma motivação que nos põe além de nossos limites auto-conhecidos. E ao usarmos esta motivação como razão de dolo a outrem, simplesmente contradizemos a estes valores.

Todas as divindades carregam valores, e são valores aceitos por todos. Não devemos desvirtuar a crença para que esta crie monstros que destroem vidas em nome da fé.

Feliciano e os “pais de família”

Hoje fui surpreendido por mais uma declaração infeliz do charlat…, quer dizer, pastor e deputado Marco Feliciano, alvo de protestos contra sua permanência na presidência da Comissão de Direitos Humanos da câmara dos deputados. Segundo o próprio, não existem pais de família ali nos protestos. O intuito da declaração, proferida no programa do Ratinho no SBT, é de claramente colocar os manifestantes contra a opinião pública, taxando-os de alienados e desocupados.
Mas se a família é tida como a unidade nuclear de toda a sociedade, Feliciano, além de lançar uma declaração altamente infeliz e preconceituosa, mostra claramente sua opinião retrógrada sobre o conceito de família.
Casais sem filhos, pessoas que moram sozinhas, pessoas solteiras com filhos, casais homossexuais também são famílias, Feliciano! E todas elas estavam defendendo o direito de serem reconhecidas como famílias em um estado que é tido como laico. Você tem todo o direito de discordar desses novos conceitos de família, mas tem a obrigação de respeitar essas pessoas, pois o senhor não representa apenas os seus fieis, mas todo o povo brasileiro, lembre-se disso! E portanto, suas opiniões não devem estar acima dos anseios do povo, pois em um regime de eleição como o nosso, o senhor não representa apenas os fieis que votaram no senhor, mas numa parcela muito maior da sociedade que espera do político um servo do povo e não um servo de si mesmo.
Pelo bem do povo brasileiro, fora Feliciano! Não é possível que em 2013 ainda exista o facismo troglodita, travestido de moral religiosa.

O sábio e o tolo: convivendo com a diferença

Hoje é 17 de maio de 2012: dia mundial de luta contra a homofobia. É um dia diferente dos demais pois ajuda a nos mostrar a grande tolice humana em rejeitar quem é diferente. A pessoa homossexual é idêntica às demais podendo ambas terem as mesmas probabilidades de caráter e habilidades, inexistindo portanto, nenhuma razão para desqualificar uma pessoa homossexual sob seu aspecto humano. As manifestações de ódio à comunidade gay não possuem justificativas plausíveis e embasadas em provas que confirmem a homossexualidade como uma ameaça à sociedade e à raça humana, sendo portanto vítimas de padrões sociais inadequados à nossa realidade, marginalizados por doutrinas obsoletas e demonizados por algumas organizações religiosas com o intuito de atrair fiéis a suas seitas.

Nosso país atravessa um momento delicado, pois vê-se uma sucessão de retrocessos promovidos por políticos oriundos da bancada evangélica para instituir no país uma teocracia cristã. E estes senhores instituiram a comunidade gay como seus maiores inimigos. Além de se opor claramente a leis e programas governamentais contra a homofobia, ainda tentam atribuir aos homossexuais o rótulo de pedófilos e estupradores, com o intuito de marginalizá-los. Enquanto isso, gays, lésbicas, travestis e transgêneros são agredidos, assassinados e tem seus direitos usurpados por uma sociedade e um estado que deveria ser laicos e de direito, mas que acabou sendo um estado de interesses. Um país como o Brasil, que viveu por 21 anos, sob a sombra obscura do cerceamento da liberdade por conta da ditadura, não pode trocar sua liberdade recém-adquirida por nada, sequer por uma promessa de salvação divina. E o processo de alienação é tamanho que se não houver o combate a esse facismo teocrático, as liberdades e direitos individuais estarão ameaçados.

E um Homem livre é também feliz e criativo, ser de suma importância para contribuir positivamente em nossa sociedade. Todo homem que compreende e respeita as diferenças que dele o circundam, é uma pessoa sábia. Tolice é achar, mesquinhamente, que as suas visões e entendimentos de mundo devem ser impostos aos demais. Ter um entendimento e um juízo de valores e crenças é um direito que todos nós temos e o praticamos, mesmo que involuntariamente por meio da opinião. Mas não é direito de ninguém impor a outro ser humano suas filosofias, exceto pelo convencimento voluntário deste. E mesmo que não haja este convencimento, a pessoa que possui outra filosofia deve ter seu juízo de valores respeitado, sem ser discriminado ou marginalizado de forma alguma. Isto está implícito na declaração dos direitos humanos e até mesmo nos mais notáveis fundamentos cristãos, os quais estes grupos rasgam e agridem para defender seus interesses expansionistas.

Lutar contra a intolerância é nossa bandeira de luta neste dia contra a homofobia, representação máxima do mal que um ser humano causa a outro.

Batalhas de fé

Vejo, por muitas vezes, no facebook, episódios de uma interminável e efusiva discussão entre ateus exaltados e evangélicos fanáticos a respeito da religião. Sou católico, porém crítico de uma fé alienada e estúpida que vejo em muitos locais e também da generalização igualmente estúpida que muitos ateus assim o fazem.

Sempre acreditei que o Homem, enquanto espécie, é capaz de elucidar questões a respeito de suas origens, de suas capacidades, de suas naturezas e de sua convivência em sociedade. A pluralidade da espécie humana é o elemento fundamental e decisivo para a sua evolução diante de outras espécies, pois torna o seu ambiente muito mais dinâmico e disputado, de modo a sempre haver, usando de princípios racionais e naturais de sua espécie, a adaptação a este ambiente. As religiões surgiram como forma de justificar um padrão moral e social, de modo que este padrão se tornasse crível e aceito por seus integrantes. Este padrão é dotado de regras definidas em consonância com normas morais já estabelecidas, convencionadas por grupos econômica e politicamente dominantes, porém atribuídos a divindades, como forma de isentá-los de possíveis responsabilidades.

Fica claro, que quem tem o contrôle sobre a cultura religiosa, tem poder. Fica evidente também que persuadir as pessoas a agir de acordo com uma doutrina de recompensa, mediante cega lealdade, é amplamente vantajoso para quem tem esse contrôle. Pois é parte da fisiologia humana se sacrificar em troca de algo que o recompense. E esta natureza da troca é bastante explorada por alguns grupos religiosos, que mantém uma legião de fiéis, cuja lealdade é tão fanática e cega, que deixam de viver suas vidas para viver uma alienação.

Viver uma religião de maneira crítica e racional é perfeitamente possível, mas tiraria dos líderes religiosos o poder e a influência sobre seus fiéis. Por isso, corrompem doutrinas, criam preconceitos, implantam moralismos, inventam inimigos fictícios, para que se crie uma “zona de perigo” em torno deles, das quais os fiéis não podem escapar, estando eles subjugados a seus interesses e vontades.

E neste cenário surge a figura do fanático. Este, desprovido de senso crítico, característica esta inibida por uma doutrinação cultural contínua de destruição deste senso, ou ainda por uma capacidade intelectual reduzida, torna-se um personagem importante para a barbarização da fé, tornando-o também uma espécie de soldado que defende, ataca e contradiz os próprios princípios religiosos que alega defender. Importante salientar que apenas uma pequena parcela dos que possuem uma crença religiosa são, de fato, fanáticos. Mas a influência em uma comunidade religiosa quando este fanático é o líder, pode ser desastrosa. O caso da seita de Jin Jones poderia ser citado como exemplo de um líder fanático que levou sua seita a um ritual de suicídio coletivo, em 1978.

Mas geralmente, o líder religioso não é fanático, mas sorrateiramente passa essa impressão a seus seguidores, pois esta crença deve aparecer crível para aqueles que o seguem. Isto pode ser notado nas explanações carregadas de hesitação e emoções melancólicas, de forma teatral, como se a afirmação da fé fosse um show, um espetáculo dramático. E o fanático, não apenas endossa esse discurso, como também o reproduz em palavras e ações que o justifiquem.

Em suma, o que parecia ser um remédio para civilizar sociedades antigas, passou a ser um veneno para uma sociedade de paz, hoje. A religião teve seu papel histórico de grande influência, permitindo o surgimento e a expansão de grandes sociedades humanas que hoje coabitam o planeta, e possuem o domínio político, cultural e econômico. Entretanto, ainda se insiste em existir a ideia da cultura dominante e de sobrevivência, para promover uma princípio de igualdade imposta, sem nenhuma preocupação com as individualidades das pessoas. Esta característica é excludente e agressiva, não alinhada a princípios humanos pacíficos.

Surgiram movimentos laicos e ateus que estão se contrapondo aos movimentos religiosos fundamentalistas. Porém estes movimentos repetem os mesmos erros dos fundamentalistas, procurando de forma agressiva e até mesmo ofensiva, promover o ateísmo e demonizar a religião. Costumam relacionar personagens torpes de nossa história, como Adolf Hitler, ao cristianismo e querem mostrar o lado negro da religião sobre os mais diversos aspectos, de forma generalizada. As falhas do passado e o uso da religião como ferramenta de obtenção de poder contribuem para que os fatos apresentados sejam tido como verídicos, mas é preciso estabelecer uma conduta mais aberta ao apoio do que a rejeição. A reação dos fanáticos é um forte indício de que as ações dos ateus e laicos está produzindo repercussão, mas não é pertinente o rebaixamento a um mesmo nível de intolerância.

Uma grande falha da humanidade é entender que, por todos os seres humanos serem semelhantes sob o ponto de vista físico e fisiológico, deve-se promover uma imposição total e incondicional de igualdade de atitudes e filosofias, para que se estabeleça uma relação de igualdade. O ser humano é o único ser vivo que distingue e rejeita seus semelhantes por condições alheias a suas capacidades e características físicas e fisiológicas. Quando o Homem aprender a tratar como igual, seu semelhante, sem observar qual sua orientação política, social, sexual, cultural ou acadêmica, estaremos estabelecendo uma nova sociedade onde todos terão oportunidades e onde todos terão a plena consciência de uma cultura pacífica e de unidade. Uma sociedade de fato e de direito.

Na parada: A igreja

Hoje iniciaremos uma série de artigos sobre a parada gay de São Paulo que ocorrerá no dia 26 de junho. E o primeiro artigo convida o leitor a debater sobre homossexualidade e religião.

Os grupos religiosos mais conservadores contestam a PLC 122 que criminaliza a homofobia no país. Segundo estes, a lei seria contra a liberdade de expressão religiosa, já que a doutrina religiosa prega a homossexualidade como um pecado e o homossexual um herege. De fato, há passagens da bíblia que atestam esta afirmação e que condenam o homossexual a ser tido como persona non-grata da sociedade cristã ideal. Entretanto, a própria Bíblia se for contextualizada e adaptada para os dias de hoje, nos mostra que a visão homofóbica de muitas entidades religiosas é distorcida e facilmente contestável.

O homossexual, o viciado, o mendigo e todos os marginalizados são hoje o que eram naquela época o leproso, o cego, a adúltera que também eram marginalizados e perseguidos pela sociedade. Agindo assim, os líderes religiosos que pregam a homofobia estão contradizendo os próprios princípios cristãos que defendem. Pois Jesus Cristo mostrou que todas as pessoas, sem distinção, podem ser cristãs aceitas e são dignas de compaixão e misericórdia.

Assim sendo, os conceitos cristãos elementares são a síntese dos conceitos humanos universais e ideais. Mas a distorção desses conceitos é o que faz com que muitas igrejas tenham esse papel segregatório. Observa-se uma leitura literal e não contextualizada das escrituras, e isto somado a termos líderes religiosos sem formação litúrgica adequada, os chamados obreiros e “Pastores de fundo de quintal”, que pregam a palavra de Deus sem conhecê-la plenamente. Também não há em muitos cursos litúrgicos um conhecimento apurado das escrituras e uma contextualização que promova um caráter inclusivo à religião. Sem dúvida, parte da distorção que equivocadamente relaciona homofobia e religião tem esse fato como uma das causas.

A história do cristianismo também ajuda a explicar a origem da homofobia em seu contexto filosófico. Quando o cristianismo surgiu, os cristãos pioneiros eram oprimidos pelos romanos que possuíam uma vida de orgias e o comportamento casto dos cristãos procurava se opor aos dos romanos. Além disso, havia uma necessidade de combater a superioridade numérica de outros povos por meio da procriação, que é a constituição de uma unidade familiar com numerosos descendentes. Esta política procriatória fez com que a população cristã crescesse em progressão geométrica e se tornasse a mais populosa do mundo antigo. Assim sendo, todo ato que não colaborasse com essa doutrina (a homossexualidade) era tido como transgressor e patológico. Hoje não existe a necessidade de procriação para o estabelecimento de uma doutrina religiosa, então por que a homossexualidade ainda é banida das igrejas? Por questão de controle. As igrejas mais homofóbicas são as que mais detém o controle e alienação sobre seus fieis. Um grupo se torna mais unido e disciplinado quando encontram um denominador comum, e a motivação é maior quando este denominador provém de uma possível ameaça. Isso alimenta o ódio como uma forma de auto-defesa e assim, os homossexuais passaram a ser tidos como inimigos da doutrina cristã, como método disciplinar de controle. Outra justificativa plenamente observável é de que a comunidade LGBT por ser marginalizada se torna vulnerável e frágil, e seria tecnicamente uma demonstração de força aniquilá-la.

Contudo, nota-se claramente um paradoxal comportamento que é cego e alienado. O comportamento nazi-facista destas organizações religiosas, as quais ferem até mesmo seus próprios princípios fundamentais em nome de poder e influência, disfarçados de moralismo, devem ser reprimidos com sabedoria e conhecimento. Se há em outras passagens das escrituras outros tipos de restrições que foram abandonadas pela comunidade cristã por não ser compatíveis com nosso modo atual de viver, por que então abandonar a homofobia e considerar a todos como filhos de Deus?