Ocupar e resistir

Estávamos muito com os nervos à flor da pele ontem. E o day after do pleito, com nosso coração mais calmo e nossa cabeça mais oxigenada, agora nos permite oxigenar melhor nossas ideias.

Agora de manhã eu me deparo com o seguinte tuíte do influenciador digital Felipe Neto:

Analisando por este aspecto o ponto de vista é plausível, visto que a extrema direita estava turbinada com doações de empresários e verbas do orçamento secreto.

Algumas coisas a gente precisa tirar dessa eleição. Eu vou enumerar algumas:

  • Precisamos voltar para a base: boa parte da população que antes corria com a gente, hoje se sente desprestigiada e desassistida. A questão é identitária é muito relevante, mas o que a gente entende é que as pessoas que antes atuavam com mais presença nos sindicatos, igrejas, associações de bairro e movimentos sociais urbanos e rurais se “burocratizaram”. Colocaram tudo nas mãos do poder público, como se a tomada do poder político fosse uma solução para os problemas do país. A solução só acontece nas urnas e, principalmente, nas ruas. A disputa de espaços entre a esquerda e direita é real e a gente denunciava isso desde o aliciamento de fiéis para as eleições de conselhos tutelares, e representantes chapa-branca em cargos diretivos de caixas de assistência e previdência de estatais, sindicatos e associações de bairro, há muitos anos. Assim, pessoas sem identidade com as massas estão emergindo, com o espaço deixado e abandonado por lideranças, antes aguerridas.
  • Precisamos de colocar o coletivo acima de vaidades: a eleição para senador no Río de janeiro desta eleição mostrou que uma vaidade de um grupo de um partido provocou uma grande derrota. O PT do Rio de janeiro, em vez de apoiar a candidatura de Alessandro Molon do PSB, resolveu lançar candidatura própria, mesmo com as recomendações de boa parte da esquerda em não fazê-lo. O eleitorado se dividiu, e a direita, unida, votou em massa em Romário, que se reelegeu senador. A soma dos votos de Molon e o candidato do PT seriam suficientes para derrotar o PL na eleição para o senado no RJ. Essa fogueira de vaidades se tornou uma constante na esquerda brasileira, que, mesmo sob ataque da extrema-direita, não soube se unir, e manteve suas disputas internas. A desarticulação foi gritante e foi fundamental para a expressiva votação da extrema-direita e do Centrão nessas eleições.
  • Precisamos de renovação política: eles estão se renovando. Nós, não. Ainda temos muitas lideranças que estão ‘datadas’ e que ainda carregam conceitos que já não deveriam estar mais no discurso da esquerda. Tem muito jovem, muita mulher, que poderia ter mais espaço na liderança política, e que não tem, pois velhos líderes ainda se impõem e não permitem a renovação política. Aí muita gente se desanima e vai para o centro ou para a direita.
  • Precisamos de lideranças próximas das pessoas: isso casa com o primeiro item. O perfil das votações para deputado dizem bem o que estou dizendo. Boulos foi o campeão de votos para Federal, mas a Federação PSOL-Rede só elegeu 6 pessoas em São Paulo. Há uma cláusula de barreira agora no coeficiente eleitoral, impedido a eleição de candidatos com votação pífia. Muitos votos foram jogados fora, pois não conseguiram eleger ninguém. A estratégia eleitoral deveria ser mais pulverizada, com mais candidatos atingindo o índice. A direita fez isso muito bem. Mesmo não sendo campeão de votos, o partido de Eduardo Bolsonaro emplacou muitos candidatos com votação expressiva, e se elegeram.
  • Precisamos de estratégia de campanha parlamentar regionalizada: este item conversa com o anterior. Mesmo que a eleição para deputado estadual e federal seja uma eleição geral, em que uma pessoa em qualquer do estado pode votar em um candidato, uma estratégia regionalizada se torna mais eficiente. Seria transformar em uma espécie de voto “distrital”, onde cada candidato teria uma região para focar sua campanha. Mesmo que não sejam todos os candidatos a fazer isso, a maioria deve atuar dessa forma para não haver “disputas fratricidas” com candidatos de um mesmo partido ou coligação disputando votos em um mesmo local, ou em um mesmo grupo de pessoas.
  • Precisamos ter um compromisso pragmático e ideológico definido: uma das grandes armadilhas de uma democracia representativa como a do Brasil é que os partidos políticos tem que se sujeitar a regras eleitorais de representatividade para sobreviverem. E isso faz com que pessoas que não tem nenhum compromisso programático e ideológico com o partido se junta a legenda e comprometam a credibilidade e a coerência ideológica do partido. Não dá mais para colocar gente conhecida e que se destacou em algum momento para encabeçar uma candidatura. Vimos o exemplo do cabo daciolo no Rio de Janeiro. Ele liderou o movimento paredista de bombeiros, foi convidado a se filiar ao PSOL, mas depois viu-se que ele não tinha nenhum uma identificação ideológica com o partido, e saiu atacando a esquerda. Por outro lado, pessoas que têm um compromisso ideológico importante com a sigla, são desprestigiados porque é muito mais interessante para um partido o seu “potencial eleitoral” do que a sua coerência ideológica com os valores que o partido prega. É necessário que as pessoas que se filiam a um partido político recebam uma formação política, e que pessoas que comprovadamente estão utilizando o partido em causa própria sem nenhum compromisso e identidade ideológica seja excluídos da sigla, por mais potencial eleitoral que essas pessoas tenham. Do contrário, os partidos vão se render ao fisiologismo partidário e se igualar aos partidos de direita.
  • Precisamos valorizar a nossa militância orgânica, aguerrida e apaixonada: levamos Lula para o segundo turno, o PT elegeu três governadores no primeiro turno e levou quatro candidatos ao segundo turno, o PT elegeu 12 deputados a mais do que em 2018 e o sol agora tem 12 deputados, dois a mais que 2018. O PV ganhou dois deputados e agora tem seis, a rede ganhou dois deputados. O PT tem 9 senadores, ganhou dois. São Paulo tem oito deputados estaduais a mais do que a eleição anterior o pessoal ganhou um deputado a mais do que a eleição anterior. Guilherme Boulos foi o segundo deputado federal mais votado do país com um milhão de votos. Tudo isso só foi possível porque nós temos uma militância orgânica, aguerrida, e apaixonada. Por que a direita e a extrema-direita podem pagar por tudo isso: pode pagar impulsionamento nas mídias sociais, tenho o domínio do algoritmo das mídias sociais porque as mídias sociais são capitalistas, podem contratar as melhores cabeças podem corromper qualquer um com dinheiro. Mas a militância de esquerda não tem disso. A maioria dessas pessoas está aqui porque quer um Brasil diferente, melhor e mais justo. Mas a gente percebe que pequenas lideranças que poderiam impulsionar uma boa parte dessa militância não estão sendo devidamente valorizados. O outro lado já construiu os seus currais com lideranças demagogas e utilizando do senso comum com muitos preconceitos e absurdos que estão incrustados na cultura brasileira e que precisam ser mudados.
  • Precisamos ser firmes e claros em nossas posições: encampamos uma grande quantidade de bandeiras, que batem de frente com o conservadorismo que sempre limita as capacidades humanas por meio de doutrinação ideológica. É exatamente isso que eles fazem, doutrinação ideológica ou seja, nós somos acusados do que eles praticam todos os dias e com todas as ferramentas possíveis: mídia eletrônica e digital, igrejas jornais, propaganda. Eles não querem que as pessoas saibam os reais efeitos da cannabis. Eles não querem que as pessoas saibam dos direitos da mulher e da desigualdade de direitos reprodutivos entre a mulher e o homem. Eles não querem que você saiba sobre a diversidade sexual. Eles não querem que você saiba que o capitalismo da forma que está fomenta desigualdades. Eles não querem que você saiba o racismo estrutural e o genocídio preto indígena que ocorre diuturnamente nesse país. Eles não querem que você saiba que em nome do agronegócio estão se destruindo a floresta e oferecendo as pessoas uma alimentação de péssima qualidade com produtos ultraprocessados que fazem mal à saúde. E fugir do assunto, só favorece esses discursos da direita. é preciso enfrentar e defender a liberdade humana e o respeito ao próximo porque tudo isso que nós defendemos bate de frente com a opressão que eles querem impor.
  • Precisamos fazer autocrítica: Esse é o ponto mais pesado que teimamos em não fazer. Todos nós somos mentes pensantes. Mas quando uma mente pensante aponta um problema que precisa ser resolvido, em nome de um corporativismo tolo, essa mente acaba sendo censurada, desprestigiada e marginalizada pelo movimento. Ouvir críticas internas faz parte do jogo democrático e do fortalecimento da ideologia e das ideias. Pois gado é só aqueles que estão do outro lado aceitando todas as mentiras que lhe são contadas.Precisamos ser diversos, mas sem impor conceitos aos outros: esse é outro ponto polêmico mas tem uma explicação para isso. Dentro da esquerda existem diversos tipos de movimentos: temos os marxistas, os leninistas, os trotequistas, os anarquistas, os da internacional socialista e outros tantos movimentos de esquerda inclusive moderados, reformistas e independentes. Dentro daquele conceito de fogueira de vaidades há uma disputa tola entre qual o conceito é o melhor. E essas disputas levam a desentendimentos, fragmentação, e desunião das esquerdas. É possível promover um debate com abertura para diálogo, desde que todas as partes estejam dispostas a conhecer a outra parte e discutir de maneira sábia e ordeira as questões pertinentes. A gente sabe que do outro lado todo mundo é unido em torno do dinheiro. A gente poderia aqui estar todos unidos em torno de uma causa, mas se divergem em relação ao método, e isso faz com que a coisa não ande.
  • Precisamos ser coerentes naquilo que defendemos: se nós defendemos a causa feminista, a causa anti-racista, a causa LGBT, a causa PCD, a causa ambiental, a causa sindical, não podemos permitir que casos de racismo, homofobia, misoginia, capacitismo, e degradação ambiental façam parte dos nossos atos e procedimentos. Todos nós temos, enquanto militantes, a obrigação de conhecer todas as causas que nós defendemos para não agir em dissonância com essas causas. Pois a verdade é que todos nós somos vítimas de um mesmo sistema opressor e cada uma dessas violações de identidade é um tentáculo deste sistema. Ou seja, todos nós temos a obrigação de defender a todos aqueles que sofrem algum tipo de opressão. E não devemos nos render ao corporativismo de tentar esconder essas violações. For preciso cortar na carne para defender essas causas, tem de ser feito. Pois é necessário entender que a postura individual não deve servir de pretexto para uma defesa de um coletivo a essa postura reprovável.

É muito importante refletirmos esse momento. Pois a democracia está em uma situação crítica, pois vivemos uma crise de representatividade. Os representantes estão muito distantes dos representados. E isso provoca a anti-política, é um sentimento de aversão a decisão coletiva que a política nos traz. E isso se torna um terreno fértil para o fascismo, para uma política neoliberal que libere o capital de oprimir as pessoas. As pessoas precisam voltar a ter voz e vez. Figura do político não deve ser uma figura de impor um poder, e sim de trazer anseios das pessoas para um espaço de poder. E esse processo ele deve ser contínuo e continuado que parece uma redundância, mas é um processo que não deve parar por nenhum instante e deve fazer uso de todos os recursos possíveis para ser um agente transformador da sociedade. Nós temos a nós mesmos, e precisamos dar voz a quem não tem voz.

E política se faz com presença. Precisamos ocupar os espaços e resistir a todos os tipos de ataque. Nós sabemos que a direita e a Extrema direita querem deixar a esquerda acuada pois sabe muito bem que a revolução humana está contida nela. Que nossos ideais são construtivos e visam uma harmonia coletiva entre as pessoas. Que não temos medo dos anseios de liberdade e que não devemos nos render a ganância que faz com que cada mês mais pessoas se tornem miseráveis em detrimento de uma pequena elite que tem acesso a praticamente tudo. Lembrei da minha querida amiga Rafaela Boami, a mais jovem candidata a prefeita do país, que liderou o movimento de ocupação das escolas em Diadema movimento este que cresceu e houve ocupações em diversas escolas em São Paulo. Sua palavra de ordem “ocupar e resistir” deve ser um monte de todo militante de esquerda a partir de agora. Temos que disputar cada palmo de chão. Temos que resistir a todo tipo de provocação, intimidação e violência. Pois todos aqueles que tombaram nessa terra, lutaram por ela. E é por aqueles que tombaram, lutando por justiça, ainda lutamos.

O babaca do ano

Está chegando ao fim o famigerado ano de 2020. O ano em que muitos de nós, seres viventes homo sapiens deste planeta Terra, não guardamos em nossas lembranças com muito carinho. Um ano em que fomos rasgados por uma pandemia, que adiou planos, que destruiu famílias, que trouxe dor, medo e incerteza.

E todo final de ano nós reunimos os cacos para saber o que é o joio e o que é o trigo nessa imensa balbúrdia. E simbolicamente destacamos e enaltecemos o que foi bom e o que foi ruim no decorrer desses 366 longos dias de 2020. Sim, amigos, este foi um ano bissexto, um dia a mais de um ano que se tornou torturante a partir de março.

Então é hora de prestarmos as nossas homenagens e para um ano tão estranho para os “padrões normais”, que instituimos a excêntrica honraria de eleger o babaca do ano.

Não faltaram concorrentes, porém nós temos que puxar o fio da meada pois os personagens, que figuram nas mídias e redes, mais babacas e infames de sempre, fizeram de tudo para conquistar tal honraria este ano, porém já são al concours. São pessoas que com a sua opinião fétida, seu discurso tóxico e suas ações absurdas tornaram esse ano ainda mais difícil para grande maioria desses seres humanos. mas esses personagens folclóricos do que há de mais perverso no âmago da humanidade não existiriam se não houvesse quem batesse palma para esses loucos dançarem.

Por essa razão tal honraria não pode ser oferecida a uma liderança dessa insana idiotice. Esse líder só existe porque há alguém que acredite nele. Por isso o prêmio de babaca do ano vai para você.

Você que não suporta o que é diferente, que não aceita o mundo com mais cores, com mais amores, com mais diversidade. Você que se agarra mais a crença do que aos fatos. Você que dá carteirada, que pergunta “sabe com quem está falando?”, O que usa seu poder para humilhar os outros, e que abdica do seu poder para se safar. Você que prefere filmar com o celular a tragédia do que tomar partido dela. Você que deseja fazer justiça com as próprias mãos, por acreditar que a sua “justiça” é mais justa do que a justiça das leis e dos homens. Você que não admite o erro, a falha, o defeito e some como se nada fosse contigo. Você que desconfia apenas por desconfiar, que olha o preto como animal, a mulher como lixo e o LGBT como piada. Você que vive pondo a culpa nos outros. Você quer um filho que foge à luta. Você que quer medir os outros usando a sua régua. Você que acha que o outro tem que morrer. Que todos têm que ser iguais a você. Que farinha pouca é meu pirão primeiro. Que tem que levar vantagem em tudo. Que segue a cartilha do ódio, usando a falsa e hipócrita fé como álibi.

Aqueles trastes que tanto tu críticas na verdade espelham daquilo que tu és. Se hoje nós vivemos envoltos a tamanha idiotice e insanidade, é porque muitos de nós procuramos nos espelhar naquilo que há de mais torpe e cruel, quando deveríamos nos espelhar naquilo que nos engrandece e nos torna humildes.

Todos nós assim acabamos por ser babacas. De um jeito ou de outro, pois olhamos cada vez mais para nós mesmos e esquecemos que existe uma palavra que precisamos praticar todos os dias para vivermos melhor com os outros: a empatia.

Rejeite o título de babaca do ano, mas dizer não, não basta. Precisamos repensar as nossas atitudes. Precisamos nos por no lugar do outro. Precisamos ser melhores sempre. Para que o prêmio de babaca do ano deixe de fazer sentido.

Somos todos miseráveis

Desde domingo assumimos nossa condição de miseráveis.

Nossa miséria é política. Nossa miséria é ideológica. Somos miseráveis em valores. Somos miseráveis em verdades.

Nossa miséria é egoísta. É paranóica. É mentirosa, desonesta. Nossa miséria atua em interesse próprio. Nossa miséria é hipócrita. Nossa miséria é a mais miserável das misérias.

Todos os dias a vemos. Reclamamos dela, mas dela somos cúmplices. Como um amor escondido, onde a maldizemos em público, mas nos encontramos com ela secretamente.

Acusamos a miséria alheia e não admitimos a nossa. Vivemos nosso jogo tolo de acusações para mostrar ao mundo que o outro é o retrato da miséria. Mas a miséria somos todos nós.

A miséria difama. A miséria agride. A miséria bate. A miséria silencia. A miséria sentencia. A miséria proíbe. A miséria assedia. A miséria humilha. A miséria ordena. A miséria mata. E nos torna cada vez mais miseráveis.

Hoje temos edificado o espelho de nossa miséria. O ódio é a miséria. A tirania é a miséria. O charlatanismo é a miséria. E logo veremos a pobreza, a morte, a perseguição e o arbitrário revelarem a face mais sombria de nossa miséria.

Devemos admitir que somos miseráveis. A humildade em assumir as falhas é o prenúncio de nossa redenção.

Só deixaremos de ser miseráveis quando combater a nossa miséria e não crer que ela está no outro.

Famílias de comercial de margarina

Dia 31 de março de 2015 marcou um triste episódio da defesa dos direitos humanos e do combate racional à violência. Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça por 43 votos contra 21, a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.

Mais uma vez, os políticos do Brasil não entendem e não usam o poder que tem nas mãos com sabedoria. Mais uma vez se atacam os efeitos em vez das causas. Mais uma vez os congressistas brasileiros atuam de forma passional, irracional e irresponsável quanto ao futuro do país e quanto à questão da violência e da questão do menor em situação de conflito com a lei.

O cerne da questão está num dos pontos ao qual os senhores parlamentares, sobretudo a bancada religiosa, não quer mexer, por contrariar seus interesses: a família. É na família onde são cultivados os valores que conduzem a sociedade a uma situação de paz social, ordem e respeito mútuo. Outro ponto importante que também é relegado, por contrariar os interesses dos donos do poder é a educação.

A melhor forma de combater a violência e resolver a questão do menor em conflito com a lei, não é com punição e sim com prevenção. E a prevenção vai muito além da educação familiar, passa pelo planejamento familiar, e até do conceito de família.

O conceito de família é uma questão que a bancada religiosa quer intervir, para impedir o reconhecimento do Estado de casais LGBT com filhos, sejam estes naturais, ou por meio de adoção, como sendo uma unidade familiar, por meio do nefasto estatuto da família.

Esta mesma bancada evita ao máximo tocar em questões delicadas como o aborto ou programas públicos de contracepção. O objetivo é claro: o controle das pessoas através de uma “padronização” e “normatização” do comportamento sexual, como ferramenta de controle, pois diz-se que quem controla o sexo, controla o homem.

Retirar o controle do comportamento sexual da igreja e dar às pessoas o direito de livre arbítrio, seria a abolição do poder e influência desses grupos sobre a sociedade, o que também representaria a perda de seu poder político e social.

Tanto é que o moralismo e ações de cunho excludente e corretivo são a tônica desses grupos. Seria perfeitamente compreensível, porém bastante reprovável, o apoio destes à redução da maioridade penal.

A família é o mote de defesa destes grupos. Porém o modelo de família que estes defendem é um modelo deturpado, excludente e leviano, um modelo aparentemente perfeito aos olhos das divindades que acreditam, que é muito parecido com a família apresentada nos comerciais de margarina. Este tipo de família, não existe: é um modelo utópico, que não deve ser imposto à sociedade, pois é um modelo excludente. Tão excludente quanto milhares e milhares de jovens, que por estar em conflito com a lei, serão afetados por uma solução burra em reduzir a maioridade penal.

Acabar com a impunidade não é jogar o jovem no lixo, como propõe a redução da maioridade penal. A educação do jovem tem que vir desde o começo, com a concepção da família. Pais e sociedade são corresponsáveis pela criação de nossos filhos. Não podemos permitir que a questão sexual e familiar seja banalizada e desmoralizada desta forma. O planejamento familiar, o incentivo a contracepção, a educação familiar e escolar, com a difusão de valores, como o respeito ao próximo, a valorização da vida e o desapego aos valores materiais. Devemos também ter o entendimento de que a mídia, a cultura e a propaganda devem estar em consonância com estes valores, com o combate à propaganda infantil, a democratização da mídia, a regulamentação e fomento à cultura, com o incentivo a movimentos culturais e socieis que privilegiem as raízes brasileiras e os valores humanos.

Por outro lado, devemos punir, sim, aqueles que colocam nossos adolescentes no crime. Temos que também repensar o modelo penal em que vivemos, pois este apenas agrada os aristocratas, que preferem fugir e esconder os problemas, ao invés de enfrentar e solucioná-los. O modelo de prisão como depósito de gente, com superlotação, sem atividades de trabalho e educação, além da reintegração do indivíduo à sociedade, não é a solução efetiva para o problema da violência e da criminalidade, além de ser um ônus para a sociedade, que tem que arcar, além dos custos de operação dos presídios, com o fato de estas pessoas detidas deixarem de contribuir para a sociedade. Temos também que tornar a punição aos aliciadores de menores para o crime e para a prostituição mais rígida. Também temos que observar os pais que não arcam com a educação dos filhos, seja pela questão de formação inadequada para compor uma família, seja pelas ações que os direcionam para valores incompatíveis com o que se espera de um convívio social.

Para resolver a questão do menor, devemos abolir a família do comercial de margarina. Devemos admitir que o modelo familiar é diverso, porém focado em desenvolver crianças e jovens, preparando-as para o convívio em sociedade de forma harmônica e progressista.

A morte do estado Laico Brasileiro

Em sua jornada eleitoral, Dilma Rousseff, candidata à reeleição, disse que “o Brasil é um Estado laico, mas feliz a nação cujo Deus é o Senhor”. Esta frase trouxe preocupação a todos os defensores de um estado laico, já que a laicidade do estado está no princípio de não conceder nenhum benefício ou privilégio a um credo.

Há muito tempo que um certo movimento evangélico popular vem empreendendo lobby político, visando a defesa de seus interesses. Porém estes interesses, muitas vezes esbarram no estado de direito e no estado laico. Por esta razão os evangélicos passaram a participar cada vez mais da política, com um público cativo de seus fieis, além de já comporem uma bancada no congresso nacional. Seu maior feito foi presidir a comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos deputados com o Pastor Marco Feliciano (PSC-SP).

Esta eleição será a primeira com um candidato a presidência pastor evangélico (Pastor Everaldo do PSC) e já conta com dois partidos representantes de seus interesses: o próprio PSC e o PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, e que compõe chapa com a candidatura de Dilma.

Dois projetos capitaneados pelos evangélicos são ameaçadores a alguns grupos, como o movimento LGBT e os movimentos de defesa do estado laico. Há projetos que prevêem a inclusão de lideranças religiosas cristãs entre os grupos que podem propor ação direta de inconstitucionalidade (privilégio exclusivo do presidente, governadores, senado, câmara, governadores de estado, procurador-geral da república e OAB nacional para propor junto ao STF que uma lei seja inconstitucional), e o estatuto da família, que estabeleceria que o casamento só seria permitido no Brasil entre um homem e uma mulher, tornando ilegais todos os casamentos gays registrados no país.

Na África, a influência negativa de missionários cristãos, além da de fundamentalistas islâmicos, em alguns países tem causado resultados trágicos. A perseguição contra homossexuais em Uganda é o exemplo mais emblemático. A lei Anti-gay aprovada este ano, que porém recentemente revogada, é prova de que quando se mistura religião e política, o resultado na maioria das vezes é desastroso. Há cerca de 20 anos, o processo de homofobia institucionalizada vem ocorrendo em Uganda, inclusive com casos absurdos de jornais publicando nomes e endereços de pessoas homossexuais, assumidas ou não, sem contar as perseguições e assassinatos de homossexuais, que na maioria dos casos, não tem seus agressores punidos. A África se tornou um terreno fértil para atos de intolerância religiosa, dado ao fato de que foi colonizado pela Europa e a colonização trouxe um processo de destruição das raízes culturais e da auto-estima de seu povo.

Segundo a organização não-governamental de defesa dos direitos LGBT All Out, em 77 países do mundo a homossexualidade é enquadrada como crime, inclusive com a pena de morte em alguns deles.

O Brasil viveu sob 21 anos sob uma ditadura, onde as liberdades individuais eram restritas. Hoje vivemos em um país livre e democrático. Mas é preciso bom senso. A vontade de muitos (muitas vezes induzida por alguns) não pode induzir o Estado a restringir o direito que as pessoas tem de ser o que são. O amor é um direito inegociável e irrestrito a todos os seres humanos!