A ciência dos antigos

Nesta eleição, as igrejas evangélicas neopentecostais tem tido um papel bastante relevante nas eleições com apoio a candidatos, e líderes dessas igrejas direcionando os seus fiéis a votarem nos candidatos indicados por eles. É muito importante ressaltar que fiéis dessas igrejas são uma parcela bastante relevante do eleitorado brasileiro. É um eleitorado fiel e leal aos conceitos ministrados por seus líderes, o que se torna um objeto de cobiça pelos candidatos em disputa. Também é importante ressaltar que muitas dessas igrejas compartilham de conceitos conservadores baseados em pautas de costumes, sendo estes bastante restritivos em questões comportamentais, tais como vestimenta, orientação sexual, comportamento, disciplina, preferências para consumo, negócios, emprego, sendo assim os seus líderes como importantes imperativos e dotados de grande poder de influência.

A questão que quero levantar aqui é como que esse poder de influência se formou, mas não pela situação atual, mas por conta de uma raiz histórica. É necessário entender porque que muitas pessoas que seguem cegamente esses conceitos religiosos possuem um comportamento bastante influenciável em relação a seus líderes, mesmo que esses líderes tenham falhas de conduta severas, e pode são usar o seu poder de influência para desvirtuar conceitos e influenciar pessoas a fazerem coisas que não têm relação nenhuma com a religião, como por exemplo votar em um candidato contestável.

A gente precisa entender que nos tempos antigos questões fundamentais da existência humana também existiam e também o ser humano não tinha meios de produzir e validar o seu conhecimento. Tudo o que sabiam era um passados por seus antepassados, que simplesmente acreditavam que aquele fato que repassavam aos seus descendentes era uma verdade. Muitos dos conceitos encontrados no antigo testamento da Bíblia tinham relação direta com o conceitos apreendidos de geração para geração em que houve de fato muito conteúdo empírico, mas repassado a seus descendentes na forma de um conceito que tinha um caráter de lei, de ordem, e que não era justificado. Os dez mandamentos, que é considerado dentro do cristianismo a lei máxima da religião cristã apenas tem 10 conceitos de ordem, sem nenhum texto adicional justificando essas ordens. Isso era necessário para que essas informações pudessem ser disseminadas rapidamente e assimiladas rapidamente pelas pessoas, porque não havia de certa forma um sistema de comunicação de massa que pudesse replicar essa informação de forma rápida, então tinha que se passar informações simples que pudessem ser transmitidas de boca a boca entre as pessoas que compartilham de uma mesma crença.

Quando a igreja católica se organizou na idade média o conceito ficou sistematizado, porém com o isolamento provocado pela peste negra e o regime feudal, parte dos conceitos se deturparam, colocando a figura do padre como autoridade máxima da religião onde havia muitos párocos que não compartilhavam plenamente de todos os conceitos bíblicos e também não tinham a preparação necessária para isso, inclusive com muitos padres analfabetos. A reforma de Lutero forçou a igreja católica se reformar tendo que impor uma norma mais rígida de formação de párocos, e a imposição de normas que tornassem a igreja católica com uma estrutura mais rígida.

Quando chegou a idade moderna, o conhecimento começou a se dissociar de conceitos religiosos. Primeiro pelos processos de experimentação de diversos pensadores, alguns deles punidos pela igreja. Mas partiu de um pensador oriundo da própria igreja a consolidação do conhecimento independente de dogmas religiosos. Foi com René descartes, com o seu pensamento cartesiano, que se introduziu conceitos que passaram a ser considerados como método científico, e assim permitiu-se com que um conhecimento pudesse ser descoberto e validado.

A revolução francesa provocou uma mudança muito forte na questão do poder. Era um dos últimos pontos que separava estado de igreja. A igreja exercia um grande poder político, a sucessão monárquica, já que grande maioria dos países europeus eram monarquias precisavam ter algum tipo de validação ou aval da igreja por meio do Papa. Quando veio a revolução francesa esse poder da igreja diminuiu, e o poder do capital cresceu, com a ascensão da burguesia.

A burguesia entendeu que era preciso investir em conhecimento para que este se tornasse mais poderoso. Os mecenas financiaram grandes projetos, que vieram desde da navegação, até a produção industrial, e a descoberta de novas fontes de energia como a eletricidade. Isto fez com que cada vez mais o conhecimento se tornasse cada vez mais independente do modelo religioso.

Assim se tem uma classe cada vez mais intelectualizada e com o domínio da técnica, encontra. A uma grande quantidade de pessoas que não tinham o domínio da técnica apenas faziam atividades que eram vistas como indispensáveis à produção, mas que não tinham acesso ao domínio da técnica, ao domínio da produção, ao domínio da tecnologia.

Chegamos a modernidade. Hoje a tecnologia está cada vez mais acessível graças ao avanço tecnológico e das tecnologias de comunicação e informação, fazendo com que o acesso ao conhecimento se tornasse mais facilitado. Para um pequeno grupo de burgueses, isto seria uma ameaça pois tornaria a economia mais competitiva, com mais pessoas participando do processo econômico e com a possibilidade de maior justiça social. Mas não podemos deixar de esquecer que nos séculos XVII e XVIII, o escravismo foi um grande elemento motriz do capital. E no início do século 20, as condições de trabalho nas indústrias e carvoarias eram condições análogas à escravidão, com jornada de trabalho de até 16 horas diárias inclusive com o emprego de trabalho infantil. Sempre buscou-se para garantir o aumento de suas margens de lucro o barateamento dos custos de produção, sobretudo a mão de obra.

Qual a relação hoje entre capitalismo e o fanatismo? Entende-se de que muitos grupos burgueses apoiam modelos de fanatismo religioso porque esses modelos vão fazer com que as pessoas abdiquem de seus poderes de produzir e validar conhecimento. Seria o fanatismo hoje uma espécie de placebo, fazendo com que a pessoa acredite que esteja recebendo “ciência”, quando na verdade não está. Isto não vale a pena para a religião. Muita parte da propagação de notícias mentirosas e desinformação partem de princípios do senso comum, preconceitos mantidos e não contestados pois a educação para a população que não é de uma elite intelectual, é uma educação meramente instrumental para habilitar essas pessoas a desempenhar suas tarefas laborais de baixo nível.

Historicamente, a religião era a ciência dos antigos. Quando Descartes introduziu o método científico, houve um descolamento entre o que é dogma, e o que é conhecimento, pois o primeiro é validado pela crença e o segundo pela experimentação e prova. Pessoas sem o acesso ao conhecimento precisam se ver intelectualmente respeitadas, e por isso se agarram a crenças e dogmas, por considerar que é uma “ciência”. O conhecimento foi intelectualizado e abduzido pelo capital, colocando apenas uma pequena classe de pessoas, o acesso pleno ao conhecimento e ao método de criação e validação de conhecimento, coisa que a maioria das pessoas lhes é negado o acesso. O “conhecimento formal” que recebem é apenas para instrumentalizar essas pessoas a realizar as tarefas laborais cabíveis a elas. Abrir o conhecimento amplo às pessoas significa dar a elas a autonomia e a independência, pois se esse conhecimento é limitado, essa pessoa não saberá que há alternativas e poderes, se tornando presa fácil para qualquer tipo de ludibriação.

O objetivo desse artigo não é invalidar a religião. O objetivo desse artigo é evitar que a religião seja deturpada por lideranças que não tenham compromisso em manter a integralidade da religião, corrompendo-a para satisfazer a interesses particulares ou de seus grupos de interesse. A religião foi a ciência dos antigos, e esse papel histórico não pode ser negado. Mas hoje nós temos uma nova ciência, que precisa ser acessível a todos para que possamos professar a nossa fé sem ficar preso a ninguém.

Ocupar e resistir

Estávamos muito com os nervos à flor da pele ontem. E o day after do pleito, com nosso coração mais calmo e nossa cabeça mais oxigenada, agora nos permite oxigenar melhor nossas ideias.

Agora de manhã eu me deparo com o seguinte tuíte do influenciador digital Felipe Neto:

Analisando por este aspecto o ponto de vista é plausível, visto que a extrema direita estava turbinada com doações de empresários e verbas do orçamento secreto.

Algumas coisas a gente precisa tirar dessa eleição. Eu vou enumerar algumas:

  • Precisamos voltar para a base: boa parte da população que antes corria com a gente, hoje se sente desprestigiada e desassistida. A questão é identitária é muito relevante, mas o que a gente entende é que as pessoas que antes atuavam com mais presença nos sindicatos, igrejas, associações de bairro e movimentos sociais urbanos e rurais se “burocratizaram”. Colocaram tudo nas mãos do poder público, como se a tomada do poder político fosse uma solução para os problemas do país. A solução só acontece nas urnas e, principalmente, nas ruas. A disputa de espaços entre a esquerda e direita é real e a gente denunciava isso desde o aliciamento de fiéis para as eleições de conselhos tutelares, e representantes chapa-branca em cargos diretivos de caixas de assistência e previdência de estatais, sindicatos e associações de bairro, há muitos anos. Assim, pessoas sem identidade com as massas estão emergindo, com o espaço deixado e abandonado por lideranças, antes aguerridas.
  • Precisamos de colocar o coletivo acima de vaidades: a eleição para senador no Río de janeiro desta eleição mostrou que uma vaidade de um grupo de um partido provocou uma grande derrota. O PT do Rio de janeiro, em vez de apoiar a candidatura de Alessandro Molon do PSB, resolveu lançar candidatura própria, mesmo com as recomendações de boa parte da esquerda em não fazê-lo. O eleitorado se dividiu, e a direita, unida, votou em massa em Romário, que se reelegeu senador. A soma dos votos de Molon e o candidato do PT seriam suficientes para derrotar o PL na eleição para o senado no RJ. Essa fogueira de vaidades se tornou uma constante na esquerda brasileira, que, mesmo sob ataque da extrema-direita, não soube se unir, e manteve suas disputas internas. A desarticulação foi gritante e foi fundamental para a expressiva votação da extrema-direita e do Centrão nessas eleições.
  • Precisamos de renovação política: eles estão se renovando. Nós, não. Ainda temos muitas lideranças que estão ‘datadas’ e que ainda carregam conceitos que já não deveriam estar mais no discurso da esquerda. Tem muito jovem, muita mulher, que poderia ter mais espaço na liderança política, e que não tem, pois velhos líderes ainda se impõem e não permitem a renovação política. Aí muita gente se desanima e vai para o centro ou para a direita.
  • Precisamos de lideranças próximas das pessoas: isso casa com o primeiro item. O perfil das votações para deputado dizem bem o que estou dizendo. Boulos foi o campeão de votos para Federal, mas a Federação PSOL-Rede só elegeu 6 pessoas em São Paulo. Há uma cláusula de barreira agora no coeficiente eleitoral, impedido a eleição de candidatos com votação pífia. Muitos votos foram jogados fora, pois não conseguiram eleger ninguém. A estratégia eleitoral deveria ser mais pulverizada, com mais candidatos atingindo o índice. A direita fez isso muito bem. Mesmo não sendo campeão de votos, o partido de Eduardo Bolsonaro emplacou muitos candidatos com votação expressiva, e se elegeram.
  • Precisamos de estratégia de campanha parlamentar regionalizada: este item conversa com o anterior. Mesmo que a eleição para deputado estadual e federal seja uma eleição geral, em que uma pessoa em qualquer do estado pode votar em um candidato, uma estratégia regionalizada se torna mais eficiente. Seria transformar em uma espécie de voto “distrital”, onde cada candidato teria uma região para focar sua campanha. Mesmo que não sejam todos os candidatos a fazer isso, a maioria deve atuar dessa forma para não haver “disputas fratricidas” com candidatos de um mesmo partido ou coligação disputando votos em um mesmo local, ou em um mesmo grupo de pessoas.
  • Precisamos ter um compromisso pragmático e ideológico definido: uma das grandes armadilhas de uma democracia representativa como a do Brasil é que os partidos políticos tem que se sujeitar a regras eleitorais de representatividade para sobreviverem. E isso faz com que pessoas que não tem nenhum compromisso programático e ideológico com o partido se junta a legenda e comprometam a credibilidade e a coerência ideológica do partido. Não dá mais para colocar gente conhecida e que se destacou em algum momento para encabeçar uma candidatura. Vimos o exemplo do cabo daciolo no Rio de Janeiro. Ele liderou o movimento paredista de bombeiros, foi convidado a se filiar ao PSOL, mas depois viu-se que ele não tinha nenhum uma identificação ideológica com o partido, e saiu atacando a esquerda. Por outro lado, pessoas que têm um compromisso ideológico importante com a sigla, são desprestigiados porque é muito mais interessante para um partido o seu “potencial eleitoral” do que a sua coerência ideológica com os valores que o partido prega. É necessário que as pessoas que se filiam a um partido político recebam uma formação política, e que pessoas que comprovadamente estão utilizando o partido em causa própria sem nenhum compromisso e identidade ideológica seja excluídos da sigla, por mais potencial eleitoral que essas pessoas tenham. Do contrário, os partidos vão se render ao fisiologismo partidário e se igualar aos partidos de direita.
  • Precisamos valorizar a nossa militância orgânica, aguerrida e apaixonada: levamos Lula para o segundo turno, o PT elegeu três governadores no primeiro turno e levou quatro candidatos ao segundo turno, o PT elegeu 12 deputados a mais do que em 2018 e o sol agora tem 12 deputados, dois a mais que 2018. O PV ganhou dois deputados e agora tem seis, a rede ganhou dois deputados. O PT tem 9 senadores, ganhou dois. São Paulo tem oito deputados estaduais a mais do que a eleição anterior o pessoal ganhou um deputado a mais do que a eleição anterior. Guilherme Boulos foi o segundo deputado federal mais votado do país com um milhão de votos. Tudo isso só foi possível porque nós temos uma militância orgânica, aguerrida, e apaixonada. Por que a direita e a extrema-direita podem pagar por tudo isso: pode pagar impulsionamento nas mídias sociais, tenho o domínio do algoritmo das mídias sociais porque as mídias sociais são capitalistas, podem contratar as melhores cabeças podem corromper qualquer um com dinheiro. Mas a militância de esquerda não tem disso. A maioria dessas pessoas está aqui porque quer um Brasil diferente, melhor e mais justo. Mas a gente percebe que pequenas lideranças que poderiam impulsionar uma boa parte dessa militância não estão sendo devidamente valorizados. O outro lado já construiu os seus currais com lideranças demagogas e utilizando do senso comum com muitos preconceitos e absurdos que estão incrustados na cultura brasileira e que precisam ser mudados.
  • Precisamos ser firmes e claros em nossas posições: encampamos uma grande quantidade de bandeiras, que batem de frente com o conservadorismo que sempre limita as capacidades humanas por meio de doutrinação ideológica. É exatamente isso que eles fazem, doutrinação ideológica ou seja, nós somos acusados do que eles praticam todos os dias e com todas as ferramentas possíveis: mídia eletrônica e digital, igrejas jornais, propaganda. Eles não querem que as pessoas saibam os reais efeitos da cannabis. Eles não querem que as pessoas saibam dos direitos da mulher e da desigualdade de direitos reprodutivos entre a mulher e o homem. Eles não querem que você saiba sobre a diversidade sexual. Eles não querem que você saiba que o capitalismo da forma que está fomenta desigualdades. Eles não querem que você saiba o racismo estrutural e o genocídio preto indígena que ocorre diuturnamente nesse país. Eles não querem que você saiba que em nome do agronegócio estão se destruindo a floresta e oferecendo as pessoas uma alimentação de péssima qualidade com produtos ultraprocessados que fazem mal à saúde. E fugir do assunto, só favorece esses discursos da direita. é preciso enfrentar e defender a liberdade humana e o respeito ao próximo porque tudo isso que nós defendemos bate de frente com a opressão que eles querem impor.
  • Precisamos fazer autocrítica: Esse é o ponto mais pesado que teimamos em não fazer. Todos nós somos mentes pensantes. Mas quando uma mente pensante aponta um problema que precisa ser resolvido, em nome de um corporativismo tolo, essa mente acaba sendo censurada, desprestigiada e marginalizada pelo movimento. Ouvir críticas internas faz parte do jogo democrático e do fortalecimento da ideologia e das ideias. Pois gado é só aqueles que estão do outro lado aceitando todas as mentiras que lhe são contadas.Precisamos ser diversos, mas sem impor conceitos aos outros: esse é outro ponto polêmico mas tem uma explicação para isso. Dentro da esquerda existem diversos tipos de movimentos: temos os marxistas, os leninistas, os trotequistas, os anarquistas, os da internacional socialista e outros tantos movimentos de esquerda inclusive moderados, reformistas e independentes. Dentro daquele conceito de fogueira de vaidades há uma disputa tola entre qual o conceito é o melhor. E essas disputas levam a desentendimentos, fragmentação, e desunião das esquerdas. É possível promover um debate com abertura para diálogo, desde que todas as partes estejam dispostas a conhecer a outra parte e discutir de maneira sábia e ordeira as questões pertinentes. A gente sabe que do outro lado todo mundo é unido em torno do dinheiro. A gente poderia aqui estar todos unidos em torno de uma causa, mas se divergem em relação ao método, e isso faz com que a coisa não ande.
  • Precisamos ser coerentes naquilo que defendemos: se nós defendemos a causa feminista, a causa anti-racista, a causa LGBT, a causa PCD, a causa ambiental, a causa sindical, não podemos permitir que casos de racismo, homofobia, misoginia, capacitismo, e degradação ambiental façam parte dos nossos atos e procedimentos. Todos nós temos, enquanto militantes, a obrigação de conhecer todas as causas que nós defendemos para não agir em dissonância com essas causas. Pois a verdade é que todos nós somos vítimas de um mesmo sistema opressor e cada uma dessas violações de identidade é um tentáculo deste sistema. Ou seja, todos nós temos a obrigação de defender a todos aqueles que sofrem algum tipo de opressão. E não devemos nos render ao corporativismo de tentar esconder essas violações. For preciso cortar na carne para defender essas causas, tem de ser feito. Pois é necessário entender que a postura individual não deve servir de pretexto para uma defesa de um coletivo a essa postura reprovável.

É muito importante refletirmos esse momento. Pois a democracia está em uma situação crítica, pois vivemos uma crise de representatividade. Os representantes estão muito distantes dos representados. E isso provoca a anti-política, é um sentimento de aversão a decisão coletiva que a política nos traz. E isso se torna um terreno fértil para o fascismo, para uma política neoliberal que libere o capital de oprimir as pessoas. As pessoas precisam voltar a ter voz e vez. Figura do político não deve ser uma figura de impor um poder, e sim de trazer anseios das pessoas para um espaço de poder. E esse processo ele deve ser contínuo e continuado que parece uma redundância, mas é um processo que não deve parar por nenhum instante e deve fazer uso de todos os recursos possíveis para ser um agente transformador da sociedade. Nós temos a nós mesmos, e precisamos dar voz a quem não tem voz.

E política se faz com presença. Precisamos ocupar os espaços e resistir a todos os tipos de ataque. Nós sabemos que a direita e a Extrema direita querem deixar a esquerda acuada pois sabe muito bem que a revolução humana está contida nela. Que nossos ideais são construtivos e visam uma harmonia coletiva entre as pessoas. Que não temos medo dos anseios de liberdade e que não devemos nos render a ganância que faz com que cada mês mais pessoas se tornem miseráveis em detrimento de uma pequena elite que tem acesso a praticamente tudo. Lembrei da minha querida amiga Rafaela Boami, a mais jovem candidata a prefeita do país, que liderou o movimento de ocupação das escolas em Diadema movimento este que cresceu e houve ocupações em diversas escolas em São Paulo. Sua palavra de ordem “ocupar e resistir” deve ser um monte de todo militante de esquerda a partir de agora. Temos que disputar cada palmo de chão. Temos que resistir a todo tipo de provocação, intimidação e violência. Pois todos aqueles que tombaram nessa terra, lutaram por ela. E é por aqueles que tombaram, lutando por justiça, ainda lutamos.

Até quando, liberdade?

Era um domingo de sol, não tão calorento quanto nos verões, porque estamos no outono, mas era um domingo agradável, com sol bonito e caloroso. Eu precisava sair para respirar um ar fresco. Até porque o ar confinado, mesmo que seja só o seu, costuma ser tóxico e ficar enfurnado em casa não é saudável nem para o corpo, nem para a mente. Minha cabeça estava a mil, mil pensamentos, mil coisas a fazer, sonhos estranhos, muita raiva acumulada. Talvez uma visão mais ama do céu fosse ajudar. Calcei um tênis, pus minha máscara e fui.

Tentei correr, mas as pernas não suportaram o primeiro quilômetro. Encerrei a corrida e fui caminhar. Minhas caminhadas são longas, no mínimo de uma hora, e durante a caminhada procuro não pensar em muita coisa, bastando observar o movimento: as crianças brincando, homens e mulheres com seus cachorros, algumas outras, como eu, fazendo algum exercício. A minha caminhada costuma ser feita em uma praça um pouco distante, não apenas por ser tranquila, mas por ser um estranho alí, dificilmente seria incomodado.

Voltei e fui pra uma praça mais próxima de casa. E aí olhar para o céu, azul, vi uma batalha de pipas, que se degladiavam, comandadas por crianças, adolescentes, jovens e alguns adultos, quase todos homens. A disputa era acirrada, grupos empinavam pipas, tentando com linha cortante, derrubar do céu outros pipas. Quando um pipa era derrubado, ouve-se gritos de ‘mandado’ e há uma correria de crianças e jovens para apanhar o pipa que caía do céu.

É uma cena surreal em plena pandemia, mas é uma cena real. Crianças e jovens não vinham sendo afetados pela doença do COVID. Tanto que a quantidade de crianças e jovens usando máscara era muito pequena. Eu era um dos poucos mascarados em dezenas de pessoas na praça.

É um momento de crença e descrença. Onde escolhemos o que é a verdade como quem muda um canal de TV. O doloroso é saber, que para muitos desses, que agarram falsas verdades, a verdadeira verdade irá lhe impor uma dolorosa lição. E a verdade somente triunfará quando todos acreditarem nela.

É como diz na bíblia: Conheça a verdade e ela vai te libertar. Somente iremos alcançar a verdadeira liberdade quando os mentirosos perderem todo seu poder. A liberdade será a pomba branca que irá nos avisar que a verdade venceu. Até quando, liberdade? Até quando iremos te esperar? Ainda tenho esperança.

Não faça a cama na varanda

Essa situação toda de pandemia me fez lembrar um trecho de uma música do pai do rock brasileiro, Raul Seixas, que dizia:

Enquanto todos fraquejavam contra o frio

Eu fiz a cama na varanda

Raul Seixas

Eu me lembrei dessa música pois todo final de semana eu vejo festa e aglomeração nas ruas do meu bairro. Agora de noite eu estou ouvindo música alta, e pessoas cantando, como se não existisse nenhuma pandemia, como se não tivesse morrido nesse país mais de 350 mil pessoas por conta da covid-19.

Sem referências a memes, eu não gostaria que essa festa virasse um enterro. Mas as pessoas parecem fazer de tudo para que isso aconteça. Ao passar pela rua, por conta de algumas necessidades que tenho que fazer, como comprar alimentos, ou mesmo fazer uma caminhada para manter o corpo em movimento, eu vejo pessoas ou sem máscara, ou usando no queixo ou com o nariz de fora ou segurando na mão em vez de no rosto.

Comecei a pensar: tento manter a minha lucidez, mas a vontade de me desesperar é enorme. Tal como no filme de terror que a gente sabe muito bem que o personagem não deveria ir por aquele caminho e vai, nós vemos dezenas milhares milhões de brasileiros marchando para uma roleta russa que pode ser extremamente dolorosa.

No meu bairro tem um jovem rapaz que está na UTI. Covid. Respirando por aparelhos. Pode demorar para se recuperar, ou ter sequelas que podem inclusive impossibilitar de trabalhar, de estudar, de ter uma vida normal.

Me preocupo muito com a situação de muitas pessoas. Porque elas precisam trabalhar e sair de suas casas para trazer o sustento para suas famílias. Essas pessoas não possuem outras alternativas, não podem ficar em isolamento social, não podem trabalhar em home Office, não podem aderir a um Lockdown. Não possuem nenhum tipo de suporte, como uma renda mínima, uma bolsa aluguel, uma cesta básica. Do contrário, entraram para estatística de desempregados, de pessoas individados, de pessoas em situação de miséria, de pessoas com fome.

Muitas dessas pessoas descobriram, às duras penas, que o Messias não existe, e o que se apresenta como Messias, quer apenas ser eleito em 2022.

Muitos fraquejam contra o frio, pois este é um inverno rigoroso que infelizmente vai continuar ceifando vidas. Não é hora de pôr a cama na varanda, pois é capaz de não mais acordarmos. Temos que evitar as farras, as visitas, os cultos, as aglomerações. Temos que ficar o máximo de tempo possível em casa. Temos que lutar usando a nossa voz nas redes, por um auxílio emergencial que de fato contemple as necessidades das famílias brasileiras que estão em risco neste momento. Temos que desmentir os mentirosos. Temos que combater o mal que nos avizinha. Temos que ser solidários, que apesar da carestia, nós podemos ajudar com um pouquinho para as pessoas necessitadas. A campanha de arrecadação de alimentos e dinheiro para a distribuição de cestas básicas as pessoas que estão na mais absoluta miséria. Procure saber sobre essas campanhas, e participe. E por fim, tenhamos mais empatia e consciência. Pois tudo que nós fizermos nesta pandemia não será apenas por nós mesmos, e sim por todos.

A humanidade nunca foi provada dessa forma. Há quem diga que seria esta a nova era de aquário. Uma era de consciência e de construção de uma nova sociedade. Sabemos que nossa cultura e valores eram baseados em conceitos que se desvaneceram. E que já está na hora de novos conceitos assumirem seu lugar. A pandemia nunca nos forçou há termos que aprender tão rápido para que nós possamos sobreviver, seja de corpo, mente ou espírito. E a esse aprendizado que devemos tomar para nós, pois nessa pandemia, a humanidade só se salvar, se de fato se unir.

Vamos manter o corpo em movimento, mas respeitando o distanciamento social.

2020: o ano em que vidas importam

2020 está para chegar à seu final. Isso certamente com tudo que aconteceu, uma importante lição temos que tirar desse ano que foi muito triste, muito trágico, muito desolador. 2020 foi o ano em que aprendemos sobre a importância da vida. Não apenas a nossa vida, mas a vida dos outros que estão à nossa volta.

Começamos falando sobre os incêndios florestais. Primeiro na Austrália, depois na Amazônia e no Pantanal. A vida selvagem importa. Plantas e animais sucumbiram ao fogo causado direta ou indiretamente pela ação do homem: diretamente pelas queimadas e indiretamente pelo aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa lançados na atmosfera em meio a uma ganância industrial, cada vez mais impiedosa e feroz.

Depois veio a pandemia que paralisou o mundo e fez tombar pela moléstia milhões de pessoas em todo mundo. Dezenas de páginas diárias de obituários na Itália. Dezenas de covas abertas em Nova York, Rio de Janeiro, Manaus e São Paulo. Pessoas morrendo nas calçadas no Equador. Lockdown, distanciamento social, uso de máscaras, colapso no sistema de saúde ruas desertas, economias paralisadas, desemprego em massa, fome e miséria. Desde março, a pandemia nos impôs uma rotina macabra, onde tememos perder silenciosamente nossos entes queridos, pois a maioria das pessoas que sucumbiram tinham comorbidades ou estavam em idade avançada. Vidas frágeis importam.

Eu não consigo respirar. Foram as últimas palavras de George Floyd, um homem preto estadunidense que morreu estrangulado por um policial branco. A rotina da pandemia foi interrompida por uma série de protestos nos Estados Unidos com adesão maciça de grandes personalidades do entretenimento e do esporte, com destaque aos atletas de basquete da NBA. Em novembro, na véspera do dia da consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O debate da questão racial no Brasil ganhou força, pois sabemos que por mais que tentem provar o contrário, o Brasil possui embutido em sua cultura o racismo estrutural. No Rio de Janeiro, uma família inteira foi metralhada por ser confundida com traficantes apenas por serem negros. Uma mulher em São Paulo teve a cabeça presa ao chão com os joelhos de um policial. É corriqueiro um caso ou outro de racismo no Brasil e no Mundo, que inclusive fez com que o jogo de futebol na França fosse paralisado. Vidas negras importam.

Morta a facadas na frente dos filhos na véspera do Natal. A violência doméstica e o feminicídio também estiveram presentes esse ano. Também completou-se mil dias sem a resposta para uma pergunta inquietante: quem mandou matar Marielle Franco e Anderson, e por quê? Nessas eleições mulheres sofreram ofensas e injúrias apenas por serem mulheres e pleitear em um espaço que é legitimamente delas: o espaço onde elas quiserem ocupar. Mulheres assediadas e violentadas sexualmente, sem direito de defesa. Seja empresário, artista, políticos. Não importa a idade, nem menores de idade estão respeitando. Mais do que nunca, vidas femininas importam.

Cada vez mais LGBTs são agredidos. E as mulheres trans são as maiores vítimas. Os casos de transfobia cresceram esse ano e com a pandemia ficou ainda pior. Marginalizadas, e muitas tendo como a prostituição um meio de sobrevivência. Um grito de basta foi a eleição da mulher mais votada para vereadora no Brasil: Erika Hilton, uma mulher trans preta em São Paulo. Em Belo Horizonte, Duda Salabert, outra mulher trans, foi uma das mais votadas. Para vencer a opressão, é preciso ocupar espaços e denunciar as agressões. Vidas Trans importam, vidas LGBTQIA+ importam.

A tirania foi a tônica de governos de alguns países do mundo, que usaram a pandemia como álibi para impor ainda mais restrições as pessoas. A regra é simples: obrigações e negações de direitos para muitos e privilégios para poucos. A pandemia revelou a miséria e o desastre dessa política de exclusão e morte. Da negação da pandemia e a inação governamental, vemos um poder cada vez mais distante de quem mais precisa de sua ação. A democracia enfim, saiu do coma, impôs algumas derrotas aos tiranos. Caiu Macri, a proibição do aborto e a isenção de impostos para grandes fortunas na Argentina, caiu o golpe na Bolívia, caiu a constituição do Pinochet no Chile, e caiu Donald Trump nos Estados Unidos. A democracia no mundo respira. Vidas democráticas importam.

Este ano foi um ano em que nunca se viu antes o papel individual das pessoas no seu cotidiano. Com a pandemia, quase toda a população mundial teve que mudar o modo de vida e passou a ver o outro de uma forma diferente, mesmo que à distância. O isolamento social nos fez notar o quão estamos distantes uns dos outros, e o quão empáticos deixamos de ser. Vivemos sob um modo de vida em que somente aquilo que nos rodeia era tido como importante. Hoje vemos que aquilo que o outro faz pode sim nos afetar. Que uma irresponsabilidade alheia pode nos trazer sofrimento e morte. Que exemplos vindos de outras pessoas que até então idolatrávamos, podem nos dar um bom ou um mal caminho. Tudo ficou mais próximo, mais visível. O fogo que ardia na Amazônia trouxe chuvas de cinzas em São Paulo. O doente assintomático de covid, que pegou a doença em uma festa clandestina, passou a doença para seus pais e avós que não resistiram. 2020 nos impôs a necessidade de sermos protagonistas e corresponsáveis por um mundo que nos ensina a sermos mais empáticos e mais humanos. Vidas além das nossas importam.

O confinamento, o bombardeio de notícias negativas, o escárnio e o desdém de outras pessoas, a guerra digital nas redes e as perspectivas cada vez mais sombrias de um futuro próximo, testaram nossos nervos e nossas emoções. Nunca ficamos tão distantes e tão desolados, nunca choramos tanto, nunca fomos tão flagelados pelo isolamento social e pela distância que tivemos que nos impor para salvar as nossas vidas e as vidas de quem amamos. Nunca precisou-se tanto de motivos para sorrir. Nunca precisamos tanto de um cafuné, de um ombro amigo e de um colo para chorar. Nunca nos sentimos tão frágeis, tão indefesos diante de uma situação de calamidade. Nunca estivemos tão cansados, tão atordoados, tão insanos e desesperados diante de um cenário tão adverso. Quem passou por esse momento tão difícil, jamais irá esquecer a agonia dos dias de 2020. Quem perdeu entes queridos e amigos na batalha contra a pandemia jamais irá esquecer o quão doloroso é a vida se esvaindo pelos dedos. Neste fim de ano, as vidas que se foram se tornaram um tributo para continuar lutando e valorizando cada vez mais a vida. Pois hoje e sempre: a vida importa.

O babaca do ano

Está chegando ao fim o famigerado ano de 2020. O ano em que muitos de nós, seres viventes homo sapiens deste planeta Terra, não guardamos em nossas lembranças com muito carinho. Um ano em que fomos rasgados por uma pandemia, que adiou planos, que destruiu famílias, que trouxe dor, medo e incerteza.

E todo final de ano nós reunimos os cacos para saber o que é o joio e o que é o trigo nessa imensa balbúrdia. E simbolicamente destacamos e enaltecemos o que foi bom e o que foi ruim no decorrer desses 366 longos dias de 2020. Sim, amigos, este foi um ano bissexto, um dia a mais de um ano que se tornou torturante a partir de março.

Então é hora de prestarmos as nossas homenagens e para um ano tão estranho para os “padrões normais”, que instituimos a excêntrica honraria de eleger o babaca do ano.

Não faltaram concorrentes, porém nós temos que puxar o fio da meada pois os personagens, que figuram nas mídias e redes, mais babacas e infames de sempre, fizeram de tudo para conquistar tal honraria este ano, porém já são al concours. São pessoas que com a sua opinião fétida, seu discurso tóxico e suas ações absurdas tornaram esse ano ainda mais difícil para grande maioria desses seres humanos. mas esses personagens folclóricos do que há de mais perverso no âmago da humanidade não existiriam se não houvesse quem batesse palma para esses loucos dançarem.

Por essa razão tal honraria não pode ser oferecida a uma liderança dessa insana idiotice. Esse líder só existe porque há alguém que acredite nele. Por isso o prêmio de babaca do ano vai para você.

Você que não suporta o que é diferente, que não aceita o mundo com mais cores, com mais amores, com mais diversidade. Você que se agarra mais a crença do que aos fatos. Você que dá carteirada, que pergunta “sabe com quem está falando?”, O que usa seu poder para humilhar os outros, e que abdica do seu poder para se safar. Você que prefere filmar com o celular a tragédia do que tomar partido dela. Você que deseja fazer justiça com as próprias mãos, por acreditar que a sua “justiça” é mais justa do que a justiça das leis e dos homens. Você que não admite o erro, a falha, o defeito e some como se nada fosse contigo. Você que desconfia apenas por desconfiar, que olha o preto como animal, a mulher como lixo e o LGBT como piada. Você que vive pondo a culpa nos outros. Você quer um filho que foge à luta. Você que quer medir os outros usando a sua régua. Você que acha que o outro tem que morrer. Que todos têm que ser iguais a você. Que farinha pouca é meu pirão primeiro. Que tem que levar vantagem em tudo. Que segue a cartilha do ódio, usando a falsa e hipócrita fé como álibi.

Aqueles trastes que tanto tu críticas na verdade espelham daquilo que tu és. Se hoje nós vivemos envoltos a tamanha idiotice e insanidade, é porque muitos de nós procuramos nos espelhar naquilo que há de mais torpe e cruel, quando deveríamos nos espelhar naquilo que nos engrandece e nos torna humildes.

Todos nós assim acabamos por ser babacas. De um jeito ou de outro, pois olhamos cada vez mais para nós mesmos e esquecemos que existe uma palavra que precisamos praticar todos os dias para vivermos melhor com os outros: a empatia.

Rejeite o título de babaca do ano, mas dizer não, não basta. Precisamos repensar as nossas atitudes. Precisamos nos por no lugar do outro. Precisamos ser melhores sempre. Para que o prêmio de babaca do ano deixe de fazer sentido.

Nada mais além

Nada além de uma ilusão. Mas esta é uma ilusão real. Pois é uma realidade muito cruel para vê-la sem filtros. Nos arrastamos ainda mais fundo na alucinógena convicção, de que a verdade é algo que se apropria, de que deve ser confrontado com as “verdades” alheias, de modo que possamos triunfar sobre os outros através das crenças delas em nossas crenças.

Cada vez mais estamos isolados, sozinhos. Distantes, desnorteados, sem futuro, sem rumo, sem identidade, sem rosto, sem sentimento. Sem nada.

Somos migalhas amassadas pela dura realidade que nos destrói ainda mais. Somos miseráveis, compartilhando nossa própria miséria travestida de riqueza. Somos tolos, ostentando vantagens que não existem. Somos cópias inexatas e defeituosas de Dom Quixote, que veem gigantes em qualquer coisa, não apenas em moinhos de vento.

Enclausurados em nossas casas, o desespero é visto pelas janelas. Não pelo horizonte acinzentado de ruas cada vez mais fúnebres, mas pelo reflexo de nossas almas que vemos pelo vidro.

Nas ruas, o desatino de uma tragédia anunciada. Mais pessoas nas ruas, por necessidade ou descrença, contagiam não apenas o vírus, mas também a certeza de que dias de dor e sofrimento se avizinham.

São situações-limite. Se há um momento para aprender e amadurecer, que seja esse. Que possamos, com a ausência, a carência e o desatino, olhar o outro com mais empatia.

Que praças, parques e campos sejam novamente repletos de pessoas que se respeitem e se tolerem.

Que o vazio dos lugares também esvazie, em nós, o rancor.

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Confira esta postagem… “Cultura e entretenimento no Brasil sob risco por Covid-19”.

Em meu blog de opinião, abordei sobre como a Covid-19 está afetando a indústria cultural e de entretenimento no Brasil.

Confira em: http://kazzttor.blogspot.com/2020/04/cultura-e-entretenimento-no-brasil-sob.html

Vencer é se tornar indestrutível

Sempre tenho algumas músicas que me fazem chorar. Recentemente adicionei três músicas a esta playlist: Wild wild son de Armin Van Buuren, AmarElo de Emicida, e Indestrutível de Pabllo Vittar. E falar sobre resistência é falar sobre sua hipérbole, ou seja, sua indestrutibilidade.

Nunca uma agressão, seja ela moral, física, social ou outra, é desferida a esmo. Por mais torpe a razão em agredir, sempre há uma razão. E hoje, com uma sociedade ultra competitiva, com também um excessivo número de nivelamentos, certamente para manter uma condição de desigualdade, a gente vê, sobretudo em zonas de competição mais acentuadas, as feridas deixadas por grupos que usam de rasteiros e ardilosos procedimentos para tentar tirar do páreo pessoas. E o alvo sempre são aqueles aos quais são estigmatizados, os que não pertencem a um padrão moral culturalmente imposto, de acordo com a cor, credo, posição política, gênero e identidade de gênero, origem geográfica, sexualidade, presença de deficiência, idade, fisionomia, e outros, e sempre serão de uma forma ou de outra, vistos como estranhos para aqueles que se ‘enquadram’ nesse padrão, discriminados, marginalizados agredidos e excluídos.

Quem é alvo do ódio alheio, sabe o quanto é doloroso sofrer com a exclusão, a ofensa, a agressão e o desrespeito sofridos. Mas o intuito de agredir, nesses casos em sua maioria, é esse: engrandecer moralmente o agressor e diminuir o agredido. Isso é muito comum e não é e ontem, e vivi isso em meu início de vivência escolar. E isso na época em que bullying não era tratado como tal, mas sempre esteve presente no ambiente escolar. E pensando bem nas pessoas que praticavam o bullying contra os colegas, inclusive contra mim, uma característica tinha em comum neles: a convicção de sua superioridade e a sensação de onipotência, ou seja, crêem que pode tudo e que são melhores que os outros. Mas como essas características estariam presentes em garotos e garotas de 8, 10, 12 anos? A resposta? Podem ter sofrido influência familiar, seja por omissão, ou por incentivo direto. Nas reuniões de pais, o perfil de alguns pais desses alunos era parecido no tocante a superioridade, e grande protecionismo. Não impunham limites. E este tipo de comportamento é o que se vê hoje, em muitos adultos que usam a rede social para impor seu ponto de vista: com ar de superioridade e sensação de onipotência, usam desse modus operandi para tentar forjar uma superioridade moral a quem oprime. Mas isso só funciona se a pessoa agredida acusar o golpe. Só dá certo se a pessoa sai da sala, se capitaliza e sucumbe a agressão sofrida. Pois a intenção do agressor é essa: expulsar os dissidentes para legitimar seu ponto de vista. O processo de bolha que a rede social se tornou potencializou pontos de vista, e até vejo um processo de impulsionamento pago para promovê-los, abrindo uma temível caixa de Pandora de preconceito e ódio. Antes isolados, pessoas com pontos de vista racistas, fascistas, machistas, lgbtfóbicos e outros, ganharam voz, espaço e meios de se organizar. E episódios de agressão, com grande quantidade de ataques nas redes sociais, se tornaram mais frequentes.

Aprendi que a piada perde a graça quando ninguém ri. Assim como a agressão se torna inócua, quando o agressor não consegue oprimir o agredido. A isto, a palavra resistir é a palavra de ordem para combater o ódio. Quando se leva um golpe e resiste, o agressor pensa que não foi forte o suficiente. Mesmo tentando agredir mais e mais, se houver resistência, o agressor se sentirá agredido, pois vê que quem está agredindo não se deixa abater pelos golpes. Ou desiste, ou tenta agir covardemente. Mas de qualquer forma o agressor fica exposto, fica em evidência seu ódio, sua conduta que é a exata antítese do que se espera de uma pessoa sociável. Já aconteceu comigo, e o fator resistência foi importante para adquirir o respeito e aqueles que me desrespeitavam e tiveram que a contragosto me respeitar. Os haters ainda existem, mas se resistirmos, eles enfraquecem. E não devemos aguentar o ódio calados, nem sozinhos. Precisamos fazer cumprir o pacto que fizemos no fim do ano passado: “Ninguém larga a mão de ninguém.” E nos fortaleceremos. E os haters que lutem! Mas saibam que irão perder.

Segredos que não contamos aos nossos pais

Quando a gente é criança, nosso universo sempre é restrito por nossos pais. Sempre curiosos, temos nossos anseios de curiosidade do universo adulto frustrados pelas negativas de nossos pais, que sempre alegam que era cedo demais para sabermos ou conhecermos aquilo que despertava nossa curiosidade e eles consideravam imprório.
Quando crescemos, a lógica pode se inverter. Os pais, preocupados com o futuro de seus filhos, muitas vezes querem saber um pouco do universo que eles vivem e o qual não tem o pleno acesso. É pouco ou nenhum diálogo, quando segredos são escondidos.
Quando criança, eu tinha muita curiosidade sobre as coisas. O universo que víamos na televisão era quase sempre adulto e isto nos impunha uma exposição precoce a temas adultos como sexo, violência, e política, e por sermos pobres, livros e brinquedos não tínhamos, fazendo com que a televisão e às vezes, o rádio, monopolizassem nossas fontes de entretenimento.
Isto, evidentemente, nos colocou em uma precocidade, coisas de adulto presenciamos e até mesmo fizemos, como, por exemplo, beber cerveja. Crescemos e aprendemos a tornar adultos mais pela prática dos erros do que pelas teorias transmitidas por testemunhos alheios ou pela educação formal.
E diante dessas experiências, nosso universo social vai além da estrutura familiar, até mesmo formando uma espécie de universo paralelo, onde a família não faz parte.
E é neste universo, onde se guardam segredos que dificilmente revelamos aos nossos pais.
E é aí, que começa as histórias de dois de muitos segredos, os quais irei revelar nessa publicação. O primeiro segredo é que quase morri afogado em 2008, em uma confraternização em um hotel-fazenda.
Era a comemoração do dia do professor e o primeiro salto meu na piscina foi no lugar errado, onde era mais fundo. Desesperado, debati na água e em seguida apaguei embaixo d’água. Acordei minutos depois à beira da piscina, grogue. Falaram para mim que por muito pouco não tinha morrido. Menti para meus pais, ao dizer que tinha passado mal. Fiquei internado no hospital, tendo alta no dia seguinte.
O segundo segredo aconteceu ontem. Uma pessoa com quem tive relação revelou para mim que estava com sífilis. Ao fazer o teste rápido o resultado para sífilis foi positivo. Fiquei por cerca de um mês no aguardo da contraprova que pode confirmar a doença, ou até mesmo identificar que meus anticorpos eliminaram a bactéria da sífilis no organismo. Ao conversar com outras pessoas que me relacionei após essa pessoa infectada, me disseram que fizeram exames recentemente e que estão sem a doença. Pode ser um sinal de que apenas tive e meu corpo se encarregou de resolver a questão. Mas tenho que aguardar a confirmação. A confirmação veio e confirmou-se que apenas era uma cicatriz imunológica. Fiquei aliviado. Foi apenas um erro. Um vacilo que não revelei a meus pais.

Isso já fez um ano.

Mas quando não aprendemos com os erros as circunstâncias da vida nos fazem aprender. É como se fosse a fase de um jogo: você não passa se não superar, e se insistir no erro, perde o jogo. No jogo da vida, perder o jogo é morrer. E diferentemente do videogame, se perder, não tem volta.

Pois a história se repetiu. Um ano depois, uma outra pessoa com quem tive relação disse que estaria com sífilis e HIV. O desespero me abateu quando notei manchas no corpo. Fui no médico e ele suspeitou de sífilis, no mínimo. O medo do pior era real. Consegui uma consulta com uma infectologista. Fui sincero, ela compreensiva e tranquilizadora. Fiz novamente os exames de sangue. Não era HIV, mas era sífilis. E antes mesmo do resultado dos exames já comecei a ser medicado. As picadas das doses de Benzetacil só não eram mais dolorosas do meu arrependimento por não ter aprendido com meus próprios erros. E hoje, ainda em tratamento, tenho uma dívida com aqueles a quem agi irresponsavelmente, mas com aqueles quem me tem por exemplo. Muito aconselhei e pouco agi a contento.

É o momento de agir com mais responsabilidade. É tempo de crescer e amadurecer. E isso todos precisam saber, não se deve guardar mais segredo.

Somos todos miseráveis

Desde domingo assumimos nossa condição de miseráveis.

Nossa miséria é política. Nossa miséria é ideológica. Somos miseráveis em valores. Somos miseráveis em verdades.

Nossa miséria é egoísta. É paranóica. É mentirosa, desonesta. Nossa miséria atua em interesse próprio. Nossa miséria é hipócrita. Nossa miséria é a mais miserável das misérias.

Todos os dias a vemos. Reclamamos dela, mas dela somos cúmplices. Como um amor escondido, onde a maldizemos em público, mas nos encontramos com ela secretamente.

Acusamos a miséria alheia e não admitimos a nossa. Vivemos nosso jogo tolo de acusações para mostrar ao mundo que o outro é o retrato da miséria. Mas a miséria somos todos nós.

A miséria difama. A miséria agride. A miséria bate. A miséria silencia. A miséria sentencia. A miséria proíbe. A miséria assedia. A miséria humilha. A miséria ordena. A miséria mata. E nos torna cada vez mais miseráveis.

Hoje temos edificado o espelho de nossa miséria. O ódio é a miséria. A tirania é a miséria. O charlatanismo é a miséria. E logo veremos a pobreza, a morte, a perseguição e o arbitrário revelarem a face mais sombria de nossa miséria.

Devemos admitir que somos miseráveis. A humildade em assumir as falhas é o prenúncio de nossa redenção.

Só deixaremos de ser miseráveis quando combater a nossa miséria e não crer que ela está no outro.

Homem não faz milagre

Eu já vi propaganda a beça. Há muita oferta de soluções milagrosas para males possíveis e impossíveis de solução. Sempre vem um e se ilude. Acredita no milagre que é oferecido, mas mesmo que se obtém um resultado prometido, ele vem com um preço, uma conseqüência, ou uma perda.

Se prometem o corpo sonhado, a beleza plena, mas ou você tem que prejudicar sua saúde, ou colocá-la em risco, ou gastar rios de dinheiro, ou se tornar escravo de seu próprio desejo.

Prometem-se potência sexual, mas ao custo de se envergonhar por ela, ou arruiná-la de vez.

Vende-se diplomas, ao custo da estupidez e do erro.

Vende-se riqueza ao custo da honradez, da honestidade e da própria liberdade.

Vende-se a verdade, que não passa de mentira.

Vende-se a palavra, para se obter a injustiça.

Vende-se antidepressivos que podem levar ao suicídio.

Vende-se a sensação perene de felicidade, em troca do vício.

Vende-se o erro, para forjar o certo.

Vende-se a informação, para produzir desinformação.

Vende-se o conhecimento para produzir ignorância.

Vende-se a fé, para gerar a descrença.

Vende-se um padrão, para produzir discórdia e desigualdade.

Vende-se honestidade para travestir o desonesto.

O fato é que tudo o que se vende como solução definitiva e imediata não passa de farsa.

Aprendi com as idas e vindas da vida que tudo se resolve com tempo e esforço. Não é de uma hora para outra que se encontra o final feliz de nossos dramas. Vi muitas mudanças radicais, advindas do tempo, senhor da razão, ou da ação, do sacrifício e da intensa luta. E quando há luta intensa, sempre traz consigo perdas significativas, que só se curam com o tempo. O tempo é o principal ator, mas não pode ficar sozinho.

Aquele que manipula o tempo, sofre, cedo ou tarde com as consequências de sua manipulação. O tempo cobra o preço do atraso ou do indevido adiantar.

Quando vejo pessoas dizendo que tudo vai mudar com Bolsonaro, eu não sei se rio, se tento convencer, se tento dissuadir ou se simplesmente ignoro.

Mas entendo que se iludir com a solução imediata pode parecer incrível, mas é muito comum. Somos bombardeados por propaganda todos os dias, prometendo tudo. Até mesmo o que não parece propaganda, é de fato, e um dos elementos da velha propaganda é a manipulação das informações, a mudança do viés, e até mesmo a mentira, e a omissão da verdade.

Ele promete uma solução imediata para todos os problemas, com palavras voluntariosas e palatáveis aos ouvidos leigos.

Mas os problemas que afligem os milhões de brasileiros, não surgiram ontem, como se fosse um surto endêmico. Foram anos e anos de desigualdade, séculos e séculos de questões mal-resolvidas, que impedem de nós enxergarmos o Brasil como uma nação fraterna de irmãos e iguais. Questões que ele ignora, que trata com descaso, e somente aborda termos vendidos nos jornais, revistas, rádios e televisões, cujos donos são aqueles que querem, coincidentemente, monopolizar a opinião pública com as questões que ele defende resolver.

Ele fala o que as pessoas ouviram na mídia e propaganda como verdades absolutas, mas não são tão verdadeiras e ocultam as verdadeiras lacunas que precisamos resolver.

A verdade é que entendo a verdade que me cerca e também a concretização da barbárie quando ele se eleger.

14 anos de governos petistas criaram uma nova percepção de Brasil. Tanto que durante o curto governo Temer, foi evidente o contraste e o quão necessária a consciência e participação política das pessoas, não apenas no período eleitoral.

A eleição de amanhã será, na prática, um plebiscito: se abdica da democracia, ou entra nela de vez.

A publicidade clássica de Bolsonaro, amplificada pelas mídias sociais e WhatsApp, pode coagir o povo brasileiro a abdicar de seu direito democrático. É o apelo e o alerta daqueles que não foram hipnotizados por sua propaganda. É o apelo de muitos que ignoraram o risco que Bolsonaro representa, mas que acordaram a tempo. Mas também é o apelo daqueles que sempre estiveram atentos e lutaram contra a artimanha opressora do midiático.

Esta eleição configura o maior movimento pela democracia desde 1984. E esperamos que o desfecho seja diferente, daquela ocasião, onde o desejo se viu frustrado por uma manipulação política. Da mesma forma que o povo ansiou naquela época, hoje possa, ao exercê-la, manter seu anseio democrático.

Arma

A arma estará na mão do motorista. Que fechou o seu carro na grande avenida.

A arma vai estar na cintura do homem. Que assedia a mulher na festa, mulher que pode ser sua amiga, sua filha, sua namorada, sua esposa.

A arma pode estar na casa do homem de bem. Cujo filho sofreu bullying na escola. Cuja filha está deprimida. Ou do desesperado porque perdeu o emprego. E também estará em casa quando o bandido do mal for rouba-la.

A arma pode estar no porta-luvas. Do carro do homem que não admite o fim do relacionamento.

A arma pode estar na fazenda. Improdutiva, cujo fazendeiro usará para se “defender” dos camponeses, que não concordam com o jeito com que o fazendeiro distrata a terra.

A arma pode estar com o grileiro. Que vai atirar em tudo o quanto for bicho vivo. Até gente. Até índio. Até satisfazer sua cobiça por terra. Que nunca acaba.

A arma vai estar com o rico. Só estará na mão do pobre honesto, quando desfalecido, para justificar o erro da abordagem policial.

A arma sempre estará na mão de quem quer impor respeito. Sempre estará na mão de quem oprime. Sempre estará na mão de quem não quer de verdade se defender. Pois nem sempre a melhor defesa é o ataque.

A arma é o poder através da violência. A arma nunca será o objeto da paz. E aquele que quer a paz, não se arma de armas, e sim de ideias, de soluções e de diálogo.

Aqueles que tolamente crêem na arma como objeto de pacificação um aviso.

Também morre quem atira.

Sozinhos não estamos

Eu hoje em minhas andanças, no vagão do metrô, uma senhora que estava à minha frente elogiou a minha camiseta. Estava estampada uma charge da personagem Mafalda de Quino. Nela estava escrito “Sim às democracia! Sim à justiça! Sim à liberdade! Sim à vida!” Ela elogiou minha coragem por conta do momento tão nebuloso que atravessamos. E se emocionou. Também fiquei comovido, não apenas com a nossa conversa, mas porque por tudo o que passamos e tememos, vemos que não estamos sozinhos.

Ela me falou sobre um movimento de meditação em busca da paz. Precisamos de paz e também de coragem para continuarmos resistindo ao mal que sufoca a razão e a solidariedade que deveríamos ter.

Nesses oásis de humanidade em um deserto de ódio. Só o fato de não estarmos sozinhos nos fortalece. E nos traz um pouco de alento.

Sozinhos não estamos.

Temor e medo

Agora há pouco escrevi em meu outro blog sobre a eleição de 2018 (clique aqui para ler). E aproveito o ensejo aqui, que tenho um pouco mais de liberdade, para bancar o futurólogo. Tive um dia desses uma espécie de premonição e vou compartilhar com vocês a impressão que tive.

Caso Haddad vença a eleição, o seu mandato será muito similar ao segundo mandato de Dilma, com o agravante de que o congresso que irá enfrentar é muito mais reacionário que a atual magistratura. Será preciso uma grande articulação política e um poder de negociação bastante elevado para levar o mandato até o fim, inclusive tendo que permitir que uma parte da agenda imposta pelo atual congresso. Do contrário, a tensão se elevaria e um escândalo novo iria levar Haddad para um impeachment, ou mesmo uma cassação da chapa, já que sua vice é Manuela Dávila, e teria os mesmos problemas de Haddad para governar o país. Uma possibilidade de golpe militar não estaria descartada.

Já com a vitória de Bolsonaro a situação seria de sintonia boa entre ele e o congresso, mas não dele com o povo. Paulo Guedes é neo-liberal, e o neo-liberalismo para um país extremamente desigual como o Brasil é fatal. Empresas estatais seriam privatizadas, como a Petrobrás, os Correios, e o Banco do Brasil.

Desestatizar é reduzir as receitas do Estado e concentrá-las no recolhimento de impostos. Mesmo com uma receita extraordinária, as contas públicas tem crescimento, tanto pelo fator inflacionário, como pelas necessidades do Estado em se manter, o que consumiria esses ganhos. Isso fora o déficit público. Rio de Janeiro e Minas Gerais estão em uma situação de bancarrota, fora outros estados que não conseguem investir ou mesmo manter suas contas em dia. O governo federal precisa socorrer esses estados, e recursos vão ser utilizados. O Estado menor se endivida mais rapidamente e se torna dependente do mercado. O grande filão dos mercados são as dívidas soberanas nacionais. Quanto menor e menos transparente for o país, mais títulos precisa emitir para manter suas contas e quanto menos confiáveis, maior a taxa de juros. Estatais estratégicas são importantes fontes de receita. Com os royalities do pré-sal, por exemplo, o governo poderia ter receita suficiente para bancar um aparato social que reduziria basicamente a desigualdade social. Não a toa que o foco da operação lava-jato foi a Petrobras. O intuito não foi limpar a estatal, mas destruí-la para que o pré-sal fosse entregue quase de graça às empresas petrolíferas internacionais.

Com o recolhimento de impostos e a necessidade de manter o país atrativo ao investimento, a política tributária continuaria inalterada, com benefício aos ricos e prejuízo aos pobres. Na agenda do trabalho, a “solução” de Bolsonaro para o desemprego é a desregulação das relações trabalhistas, o que precarizaria o trabalho e diminuiria ainda mais a renda média do brasileiro. Com salários menores, o brasileiro irá consumir menos e o impacto que deveria ser positivo, se torna negativo, com recessão e volta do desemprego, pois com relações de trabalho mais fracas, fica fácil o desligamento. A economia informal cresceria, e a marginalidade também, aumentando a violência.

A política armamentista de Bolsonaro também torna-se um agravante, pois com a flexibilização do estatuto do desarmamanto, haveriam mais armas em circulação. Porém como há uma burocracia para o porte de armas, somente pessoas com maior poder aquisitivo teriam acesso a armas, tanto em ambiente urbano quanto rural. Isso aumentaria os conflitos no campo, voltando a ter risco de assassinatos de líderes rurais, e massacres. A atuação da polícia seria valorizada, mas a ausência de uma política de preparação de policiais aumentaria a violência policial. Pessoas pobres e negras da periferia tombariam com tiros disparados por armas de policiais. O clima de medo voltaria a reinar nas ruas, tanto pela violência da marginalização da população excluída pelo plano neoliberalista, como pela violência policial. O toque de recolher nas ruas voltaria.

O controle da mídia será com a priorização da Band e Record, grandes aliados dos evangélicos por ceder horários em sua programação para igrejas, e a Globo teria menos espaço na TV aberta, mas não seria incomodada, pois na TV Fechada ainda teria posição hegemônica.

Os direitos humanos seriam constantemente desrespeitados. Há uma grande quantidade de pessoas conservadoras na nova magistratura, o que seria um risco para a pauta progressista. Pode ocorrer a votação dos famigerados projetos de Estatuto da Família, que tornaria ilegal o casamento homoafetivo, e o Escola Sem Partido, que implantaria uma mordaça aos docentes das escolas do país, tanto na questão política, quanto no combate a homofobia, além de tornar o aborto proibido sem excessões. Aumentariam os casos de homofobia, feminicídio e racismo, pois além da legislação, o discurso das lideranças traria legitimidade aos atos de ódio. O Brasil também vai desrespeitar o meio-ambiente, com o afrouxamento de regras para uso das reservas naturais e enfraquecimento da fiscalização de crimes ambientais, por pressão da bancada ruralista.

A insatisfação se elevará, e muitos dos que votaram em Bolsonaro, deixariam de apoiá-lo. Mas com o apoio do congresso, não seria incomodado. Também poderão surgir casos de repressão a sindicatos e movimentos sociais. Poderão até ter vítimas.

Com a insatisfação, Bolsonaro irá tentar uma nova cartada: o conflito armado. Se estabeleceria um inimigo, interno ou externo. Se for interno, seria decretada uma guerra civil, e se externo, seria escolhido um país, como a Bolívia ou, o mais provável que seja a Venezuela. Um conflito armado é uma jogada de altíssimo risco, tanto na imagem externa, interna, perdas civis, perdas financeiras e instabilidade social e política. Haverá agitação popular e a popularidade pode se deteriorar rapidamente, pois o efeito é de bomba de fumaça, ao tentar criar um problema para resolver outros. E a miséria iria assolar o país de vez.

Um golpe para manter Bolsonaro no poder não seria descartado. A instabilidade social e política poderia gerar deserções na sua base, afinal, é preciso ter apoio popular para continuar deputado.

Se houver eleição em 2022, poderá ser a virada da esquerda, ou sua aniquilação total. Haverá campanha mais agressiva da extrema esquerda, pois se houver uma primavera esquerdista, tudo o que for feito seria desfeito, além de garantir um longo período de governos progressistas.

Eu, sinceramente, gostaria de estar errado. O terror e o medo estão cada vez mais presentes. Serão anos difíceis, e espero que sejam curtos, apenas 4 anos mais.

Pensamentos de minhas andanças

Uma das lembranças mais remotas de minha infância era quando minha mãe me incentivava a andar dizendo “Dandá pra ganhá tentém” que significa andar pra que nasçam os dentes. Talvez seja por essa razão que tenha o costume de realizar longas caminhadas ou de fazer boa parte de meus deslocamentos a pé.

Tanto que estabeleci um compromisso de caminhar diariamente no mínimo 12.000 passos, ou aproximadamente 8,5 km de andanças. Segundo a OMS, 10.000 passos diários são suficientes para dizer que essa pessoa é fisicamente ativa.

Eu desde adolescente costumo caminhar bastante. Eu fazia duas, três e até quatro voltas pelo bairro, que quando eu as refaço com o pedômetro do meu relógio, dão um percurso aproximado de 4 km. Entre minhas andanças, eu via a paisagem, os locais, e mesmo o abandono de locais públicos de esportes, que poderiam servir para manter pessoas de todas as idades em plena atividade física.

Nem vou citar os benefícios de um hábito de não ficar parado, pois são tantos estudos que comprovam isso, que uma rápida pesquisa no Google lhe dará a motivação necessária pra pular da cadeira.

Mas quero voltar a falar das minhas andanças. Eu quando pequeno, era chamado de Bubu. Mas não era um apelido tão carinhoso. Era uma redução da palavra “butijão“, pois quando era pequeno, era gordinho e parecia um botijão de gás. Naquele tempo, era comum esse tipo de ‘piada’, que hoje podemos ver como bullying, ou como algo ofensivo. Naquele tempo, você não poderia ser gordo pelos riscos a saúde, mas sim porque era feio e ridículo.

Hoje sabemos dos riscos da obesidade, mas da excessiva. Uma pessoa com obesidade leve pode viver uma vida normal, sem neuras. Pode praticar esportes, pode namorar, pode ser querido e amado por todos, e principalmente ser respeitado.

Podemos viver em plenitude, curtindo as andanças e gozando uma qualidade de vida melhor. Enquanto escrevia isso eu fiz mais uma caminhada, e hoje já fiz mais de 6.000 passos, percorrendo mais de 4 km. E ainda é meio-dia.

A realidade

Há certos momentos em que a realidade se mostra implacável.

Às vezes tenho o privilégio de poder pensar com meus botões, fechar os olhos e deixar certos aspectos da realidade de lado, pois são às vezes tristes e desanimadores. Mas os olhos precisam se abrir em um certo momento e a realidade está lá, tal qual o horizonte que vislumbra sua janela todas as manhãs.

Se o vermos essa realidade com olhos tristonhos, vamos ver uma paisagem triste. Mas, se ao menos um detalhe dessa paisagem for motivador, aí o dia já estará ganho. E ainda a gente pode limpar nossa vidraça, ou ajudar o vizinho a arrumar o jardim descuidado, embelezando assim, o nosso horizonte.

Isso pois vemos o nosso universo como algo imponderável, que não podemos mexer, e que fatalmente nos tornamos reféns do destino que nos reserva.

Quando na verdade é o contrário.

Somos todos agentes de mudança. Entendo a realidade sob um foco sistêmico, em que somos parte dele. Tudo o que fizermos, de bom, ruim, e até mesmo na inação, trará reflexos sobre o universo que nos rodeia. Isto implica no seguinte: se não estamos satisfeitos com a realidade, teremos que fazer por onde para mudá-la, sempre entendendo nos reflexos das ações praticadas por nós, para que as consequências de nossos atos não apenas propiciem benefícios para nós, como para o universo da qual fazemos parte.

Tendo essa consciência, passamos a ser agentes de mudança em vez de vítimas das mudanças ocorridas. E qualquer ação, como a minha de escrever ou a sua, de ler esse texto até o final, são parte desse processo.

Vamos mudar a realidade, generosamente, para melhor?

Fitas verde-amarelas

Ao voltar pra casa, me deparei com as ruas ainda enfeitadas de fitinhas verde-amarelas, mesmo após a triste despedida de nossa seleção brasileira desta copa do mundo.Os céticos ficariam perguntando qual a razão de tamanha perda de tempo e de recursos, sabendo que a chance de uma glória brasileira na copa do mundo é de cerca de 1/32 ou cerca de 3%, e que, psicologicamente tende a se esvair a cada fase, dada a dificuldade, ao contrário do que o avanço a cada fase se traduz, em termos matemáticos.Talvez estes céticos não entendem o poder que a esperança e a ilusão nos oferecem, em termos presentes e também futuros. Mesmo jogando com o aleatório e o incerto, ao nos iludir, vemos uma realidade mais próxima do que somos e do que desejamos para nós. Vemos o mundo sob outro prisma, mais colorido e entusiasmado, com mais vigor, com mais luz. E isso é contagiante. Parece estranho, mas aplicamos essa mesma visão esperançosa a nossos atos, acordamos mais dispostos, impomos a nossas ações a mesma energia a qual acreditamos e depositamos nossa torcida.Ao fantasiarmos nossa realidade, a testamos, e assim testamos nossos limites, testamos nossas possibilidades e, assim, evoluímos. O que seria do espetacular, se não imaginarmos o impossível?E até mesmo no desatino da derrota, a ilusão, sob a forma de desilusão, se faz presente, como forma de entendermos que vivemos em um universo com limites, e que estes nos balizam. A decepção do imponderável, pode se tornar a pedra angular da mudança, quando visto com olhos sábios.Sei que amanhã ou depois, as fitinhas não mais estarão nas ruas. Que as bandeiras do Brasil não mais irão enfeitar as janelas e varandas. Mas deste dia, eu vou continuar lembrando.Pois mesmo depois da noite triste, sempre haverá um amanhecer.